Nailor Marques Jr. é jurista, escritor e palestrante.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina, porque minha agenda é dinâmica. Mas sempre que possível começo o dia respondendo e-mails. No entanto, tenho preferência por escrever artigos, posts e mesmo capítulos dos meus livros pela manhã, minha cabeça está mais fresca. Durmo com papel e caneta ao lado da cama e sempre que acordo com uma ideia anoto. Se isso ocorre durante o dia, gravo no celular para consultar depois.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro sempre escrever pela manhã, acho que produzo melhor e mais rápido, porém se o trabalho está rendendo, posso ficar por dez horas ininterruptas e, quando isso acontece, não paro nem para comer.
Eu me considero um escritor e, como João Cabral de Melo Neto e Manoel de Barros, acho que escritores precisam sentar e escrever como uma profissão, não espero ter boas ideias, nem me sentir inspirado a isso ou aquilo, apenas abro o computador, olho para a tela e começo a escrever, depois de um roteiro básico. Sempre faço um roteiro para textos maiores.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, todos os dias. Textos com mais ou menos fôlego, mas todos os dias. Produzo regularmente para as redes sociais e algumas revistas e entrevistas, então tenho sempre o que fazer. Acredito também que não há outra forma de aprender a fazer, senão fazendo. Com o tempo, tudo tende a ficar mais consistente. Não tenho uma meta, mas também não deixo nada acumular, costumo dizer que trabalho por tarefas. Possuo um banco de artigos, quando preciso de algo urgente para revistas ou sites, passo primeiro por lá, sempre posso reescrever alguma coisa pré-pronta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Varia de texto para texto. Se é um post ou um pequeno artigo, faço meu roteiro de cabeça e sento e escrevo direto no computador. Mas se é um texto que exige pesquisa, como foi meu romance A caverna dos sete sábios, passei oito meses apenas fazendo pesquisa e anotações e, quando comecei a escrever, em apenas catorze dias o boneco estava escrito com 137 páginas. A partir daí começa a fase que mais gosto que é a da reescrita. O livro foi reescrito durante quatro meses dez vezes, até eu entender que era a sua versão final, então com duzentas páginas.
Esse livro, em especial, teve uma história peculiar: escrevi o primeiro capítulo e depois percebi que não seria o primeiro, então virou o segundo e escrevi um novo, de modo que ele virou o segundo, de novo aconteceu o mesmo e novamente, enfim o primeiro capítulo original, passou a ser o quarto na versão definitiva.
Interrompo para pesquisar quantas vezes for necessário e tenho dois processos de revisão: a quente (logo após a escrita, para correções de ideias frescas) e a frio (depois de deixar o texto descansar e ver o que boiou de sujeira, como diria Ezra Pound).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sinceramente, isso não me acontece mais. Como não sou acadêmico, não tenho que submeter meus trabalhos a bancas artificiais, nem sempre preocupadas com “o quê” ou com “o como”, mas com interesses outros que movem os subterrâneos do mundo acadêmico e que me desinteressam totalmente. Às vezes agrado mais, às vezes menos, mas preocupar-se com isso é uma cilada enorme que pode transformá-lo num produtor de hits sertanejos ou de versões nota 10 de teses, que nunca sairão de sua gaveta.
Quanto a parar o trabalho, se eu não quero escrever mais, não há quem me faça continuar. Já joguei fora dois livros em que eu já havia escrito mais de cem páginas, por me desentender comigo mesmo. É preciso ter essa coragem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como já disse, no mínimo dez vezes. No caso de palestras, posso corrigir vinte ou trinta vezes, buscando a palavra exata. Não tenho regra quanto a mostrar, já fiz muitas vezes e em outras não. Não vejo relação com a qualidade do texto e acho que depende muito do texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ideias pequenas são escritas à mão ou gravadas no celular. Mas roteiros e textos são escritos direto na máquina. Conheci o poeta Manoel de Barros e ele escrevia sempre a lápis, por isso não creio que isso faça muita diferença. O importante é sentir-se confortável com o que se faz.
Quando escrevo à mão, é raro, mas acontece, tenho um tempo bastante limitado para passar a limpo, porque depois de dias ninguém, nem eu, consegue saber o que está rabiscado ali. Costumo brincar que quando escrevo à mão, eu e Deus entendemos, uma semana depois, nem Deus.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não acredito em quem escreve e não lê. Conheço vários candidatos a escritor que não leem, isso beira o ridículo. Entendo que a equação certa é de cinco para um. Para cada texto escrito, no mínimo cinco lidos. É preciso ler clássicos também, um escritor de respeito, não importa se cientista ou não, precisa transitar pelo mundo dos clássicos. Não é preciso ser cientista para ler Darwin, padre para ler a Bíblia ou prosador para ler Machado de Assis. Basta ver o sucesso nos dois mundos de homens como Yuval Noah Harari ou Leonard Mlodinow.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria a mim mais jovem, leia ainda mais do que você leu. Sempre fui um rato de biblioteca (sou do tempo delas e tenho uma muito boa em casa, já foi melhor, mais ainda é consistente), mas deveria ter sido uma ratazana, um roedor ainda maior. Ler é a base de tudo, ler é levar a alma para passear.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tento ler de tudo um pouco, nisso sou metódico. Leio de poesia a astronomia, de história a poesia, de biografias a administração, de romances a textos de internet. Quero terminar de escrever meu livro sobre Moisés.