Naila Barboni Palú é escritora, revisora e preparadora de textos, formada em Produção Editorial.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do dia! Como eu trabalho em casa como preparadora/revisora freelancer, meus horários são bastante flexíveis. No momento, como estou fazendo curso de italiano, tem dois dias da semana em que acordo às 8h30 porque tenho aula às 09h30. Nos outros dias, procuro acordar em torno das 9h, mas confesso que às vezes durmo um pouco mais hahaha.
Todo dia, sem exceção, sempre dou uma olhada nas redes sociais assim que acordo e então faço alongamentos, depois tomo café da manhã e começo a trabalhar ou a estudar. Eu sou uma pessoa que funciona melhor à noite, que é quando prefiro escrever, por isso parece que acordo “tarde” (varia de acordo com o ponto de vista hahaha).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para fazer revisões, prefiro trabalhar durante o dia, quando estou menos cansada, já que é um trabalho que requer muita atenção. Para escrever, costumo preferir o período da noite.
Não acho que eu tenha algum ritual para escrever, porém, sempre preciso que músicas estejam tocando. Gosto de silêncio (um dos motivos para eu preferir escrever à noite), mas preciso de “companhia”. Se não coloco músicas, coloco algum filme para passar na TV, mas essa técnica costuma me distrair, então normalmente fico com as músicas mesmo hahaha.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu adoraria escrever todos os dias e cumprir uma meta, mas ainda não consegui me organizar o suficiente para isso. Ultimamente, tenho escrito em períodos concentrados, quando uma história me pega de jeito e eu não tenho escolha a não ser escrever (e se tivesse escolha, escolheria escrever, sem dúvida!).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O mais importante para eu começar a escrever é saber, ainda que de modo bem geral, o que eu quero que aconteça na história, especialmente o final. Tendo uma ideia do plot, eu fico pensando nisso como uma louca por alguns dias, até que a história esteja mais concreta em minha mente, quando então começo a escrever. Se é uma história que exige pesquisa, eu já começo a pesquisar antes de escrever, porém, tem hora que eu só sinto necessidade de pesquisar quando já estou escrevendo. Nesses casos, eu anoto o que quero que aconteça no ponto onde parei e vou pesquisar.
Meu livro A Princesa Guerreira é um bom exemplo disso. Eu comecei a escrever e logo nos primeiros capítulos já senti necessidade de montar um exército para o reino da protagonista. Parei a história onde estava e fui pesquisar a hierarquia do Exército Brasileiro. Como é algo muito complexo e eu não precisava de tudo aquilo (é muita coisa!), eu escolhi cinco patentes e decidi o que seria responsabilidade de cada comandante no Reino de Durga. Por exemplo: os Sargentos fazem parte do Exército, mas atuam mais como policiais na cidade.
Outra coisa que aconteceu conforme eu avançava na história foi a necessidade de criar um mapa do continente, de forma que eu pudesse posicionar as personagens com mais facilidade e tivesse um lembrete visual de como as coisas funcionavam. Também precisei decidir como seria o clima e a vegetação, por exemplo, de determinados lugares, já que precisaria descrevê-los, assim como lidar com a política entre os reinos. Além de um monte de nomes, porque criar um mundo fictício é batizar rios, oceanos, montanhas, florestas, reinos, capitais e assim por diante. Sem falar nas próprias personagens, né?
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas da escrita, que eu chamo de “Síndrome da Página em Branco”, são o terror dos escritores. O que eu descobri que mais funciona para evitar isso, e a procrastinação, é firmar um compromisso comigo mesma e me forçar a escrever um pouquinho todos os dias, de preferência em um horário específico para criar uma rotina. Nesse primeiro momento, não me preocupo em ser perfeccionista, porque o mais importante é colocar alguma coisa no papel – eu sempre poderei editar e melhorar depois, mas preciso ter algo para começar, certo?
Disciplina é a chave para evitar travas e procrastinação. A partir do momento em que escrever se torna rotineiro, passamos a entender que aquilo deve ser feito todos os dias, é como se destravássemos o que quer que haja em nossa mente que impeça as ideias de fluírem constantemente. É difícil chegar a esse ponto – requer muita barganha consigo mesmo e descobrir o que funciona para cada autor –, mas, quando chegamos, é extremamente satisfatório e faz com que escrever seja um processo mais tranquilo.
Como eu disse antes, ainda não consegui me organizar o bastante para seguir uma rotina, mas confirmo que isso funciona porque foi o que aconteceu com meu último livro, Troca. Eu não me deixava ir dormir antes de escrever alguma coisa, nem que fosse apenas um parágrafo. Esse foi o livro que eu escrevi com mais rapidez, e foi por causa disso, já que eu me forçava a não procrastinar.
O medo de não corresponder às expectativas sempre está presente, principalmente quando estou trabalhando em um projeto novo. Nessas horas, faço o possível para lembrar a mim mesma que minhas histórias não vão agradar todo mundo (é fato) e está tudo bem. E por mais que eu queira agradar meus leitores e conseguir novos, uma das coisas que mais importam é eu estar satisfeita e gostar da história. A partir disso, a gente tranca o medo em um cofre e finge que ele não existe – até porque, é mais coisa da nossa cabeça do que fato.
Sobre a ansiedade de trabalhar em projetos longos, acho que varia muito de autor para autor e se há um prazo. Como sou autora independente e não tenho um editor ou agente (quem sabe um dia isso muda :D) no meu pé para finalizar um livro logo, a ansiedade é mais pessoal, é o desejo de ver a história formada e concluída, então não chega a realmente me atrapalhar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que depende um pouco do projeto. A Princesa Guerreira, que tem 429 páginas no Word, eu revisei menos vezes do que Troca, que tem 140. Eu reviso quantas vezes forem necessárias para eu me sentir segura o bastante para publicar. Mesmo assim, fica aquele medo de não ter sido o suficiente, só que chega uma hora em que a gente tem que perceber que esse medo está sendo irracional.
Ter leitores beta também ajuda muito com isso. Além de eles não estarem viciados no texto como os autores, podendo enxergar erros ou melhorias que já não vemos mais, esses leitores são um bom termômetro sobre a história como um todo. A partir do momento que temos “gente de fora”, mas de confiança, dando sua opinião sobre nossos livros, ficamos mais tranquilos quanto à publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tenho um aplicativo de notas que ajuda muito, é o Keep, do Google, que eu posso acessar de qualquer dispositivo. Facilita bastante quando escrevo alguma coisa no celular e depois preciso passar para o notebook. É nele que eu escrevo minhas ideias e, normalmente, faço um primeiro rascunho (extremamente resumido) do livro que quero escrever. E, muitas vezes, quando não tenho acesso ao meu notebook ou estou com preguiça de ligá-lo, escrever no celular é uma boa alternativa – inclusive me ajuda a não procrastinar, porque não tenho a “desculpa” de que não estou com o note ou estou com preguiça de arranjar um local confortável para escrever, pegar o cabo e esperar o note ligar hahaha.
Na época em que estava no Ensino Médio, eu escrevia muito à mão, já que usar o celular na sala de aula não era permitido. Hoje em dia, apesar de gostar de escrever em cadernos, uso mais o notebook mesmo por questão de praticidade. A única coisa é que temos que tomar cuidado com o fácil acesso à internet, já que isso pode nos distrair tanto quanto nos ajudar quando temos que pesquisar alguma coisa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vou dizer mais uma vez, não briguem comigo: depende. Hahaha
No caso do meu primeiro livro, Estrada Livre, a história surgiu em uma conversa com uma amiga. A história de A Princesa Guerreira veio de um sonho – que eu escrevi no aplicativo de notas assim que acordei. Já Troca foi criado a partir de um convite para participar de uma antologia que acabou não saindo. Também tenho contos que foram escritos para antologias – e, sobre eles, posso dizer que ter um ponto de partida e um prazo me ajudou bastante a criar e escrever. Meu conto “#HatersGonnaHate” foi criado porque fui convidada a participar da antologia Notificação Preferida, da Editora Burn Books.
Tudo pode ser uma inspiração, vira e mexe acontece alguma coisa e eu digo “Isso daria uma boa história.”. Ou então eu vejo um estilo de escrita e penso que seria legal tentar fazer algo nesse estilo. Foi o que aconteceu com meu conto “Blue Christmas”, que saiu na antologia Estarei em casa para o Natal, também da Burn Books. Nesse caso, o estilo veio primeiro. Fazia uns meses que eu estava lendo fanfics da série de livros Captive Prince, da autora C.S. Pacat, e um estilo em especial tinha me chamado a atenção: eram cenas curtas que formavam um conto completo. E foi exatamente o que eu fiz em “Blue Christmas”, contei sobre vários Natais que minha protagonista, Lori Carter, não passou em casa.
Sei que muitos autores, para se manterem criativos, se desafiam a escrever contos semanalmente a partir de temas sugeridos pelos leitores (e um dia eu farei isso), mas, por enquanto, meu modo de me manter criativa é anotar tudo quanto é ideia legal e consumir histórias a partir de vários formatos (livros, fanfics, séries, filmes etc.).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o que mais mudou foi o cuidado ao desenvolver a história. Diferente do meu primeiro livro, que eu escrevi sem ter muita técnica, hoje em dia eu pesquiso muito antes e durante a escrita, além de me manter focada. Por mais que outras ideias surjam enquanto estou escrevendo uma determinada história, eu me mantenho focada para não criar um monte de nada. Além do mais, não é para usarmos toda a nossa criativa em um único livro, né? Hahaha
Com certeza o que eu diria para mim mesma durante a escrita do meu primeiro livro é: “Vai com calma, você não precisa colocar todas as ideias legais com as quais se depara só nessa história. Ah, e revisa mais vezes, ok? Achou que é suficiente? Revisa de novo só para ter certeza”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu sou meio protetora com relação às ideias que eu já tive e ainda não escrevi, por isso não vou entrar em muitos detalhes, mas vou dar três exemplos. Quero escrever um romance com uma pegada mais sombria sobre vampiros e metamorfos; tenho iniciado um romance de época; pretendo que meu próximo projeto seja um livro de fantasia que se passará em um castelo na Itália (estou em fase de desenvolvimento do plot e de pesquisa).
Como é difícil falar sobre qual livro eu gostaria de ler, mas que ainda não existe! Eu sempre vejo, na internet, prints tirados do Tumblr sobre ideias que as pessoas têm, então acho que vou usar duas delas para responder.
Uma vovó de uns oitenta anos (ao invés de uma pessoa adolescente ou jovem adulta, como é mais comum) que é “a escolhida” para cumprir determinada tarefa ou algo assim. Ela passa por diversas aventuras carregando consigo sua bengala e agulhas de tricô, além de estar acompanhada por seus seis gatos e um doce senhorzinho que a lembra de tomar seus remédios.
Ou então uma capitã pirata que, ao roubar um tesouro proibido, é amaldiçoada: se ela não der seu coração a alguém e esperar nada em troca até X anos se passarem, ela vai morrer. Ao invés de tentar encontrar um amor verdadeiro ou algo assim, ela escolhe viver da melhor forma possível com sua tripulação durante o tempo que tem. Ao final, quando está fraca e quase morrendo, a maldição é quebrada porque ela deu seu coração para seu navio e para sua tripulação sem esperar nada em troca.
Tem muitas ideias legais por aí, só esperando para serem escritas. Não é o máximo pensar que nunca ficaremos carentes de boas histórias?