Myriam Campello é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Prefiro acordar cedo, pela manhã estou com mais energia, como escrever demanda energia! Mas isso nem sempre é possível graças a minha insônia. Meu único ritual matinal é tomar café assim que acordo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho método nenhum antes de escrever além de remanchar, adiar a tarefa. Dou uma espiada rápida no Facebook, depois leio um pouco para entrar no mood. Finjo que não tenho que trabalhar já que estou lendo, portanto num momento de lazer. É tapeação, mas como detesto me sentir pressionada, até mesmo por mim, vale. A leitura pode nos fazer entrar na atitude mental propícia, desencadear ideias, ajudar técnica e formalmente, produzir insights, ampliar o horizonte na hora de escrever. E se estivermos lendo um grande autor, tudo é multiplicado por mil.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo sempre que posso. Isso inclui muitas coisas, até bem-estar físico. Fico maravilhada com Katherine Mainsfield que conseguia escrever com quarenta graus de febre, Proust com asma e Dostoievski com credores batendo na porta. Gigantões totais, esses. Aqui na planície, há fases mais concentradas em que trabalho com mais prazer e senso lúdico, dependendo do jorro das ideias e do momento do texto. Em outras fases, a escrita não flui com facilidade, é travada, ou mesmo uma porcaria. Temos que apagar sem dó nem piedade. Nessa dança entre angústia e paixão, trabalhar num trecho prazeroso é, claro, mais estimulante. Outros são pedreira mesmo. Não tenho metas temporais, não me dou bem com balizas. Quando jovem acreditava piamente nessa coisa de produção diária, depois relaxei. Não há dúvida que quanto mais se escreve, a tendência é se escrever melhor. Eu disse tendência. Não há milagres nesse terreno. Ainda acho que, para o autor que está começando, é fundamental trabalhar regularmente. Uma frase bem-sucedida não é algo caído do céu. É fruto de muita pauleira, de trabalho incessante. Sem insistência, sem amor absoluto por essa arte tão difícil e de quase nenhum retorno financeiro, é melhor o cara deixar de frescura e fazer um concurso para o Banco do Brasil.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho método nenhum, e só de uns anos para cá comecei a tomar notas (mesmo assim porque ouvi de um professor, também ensaísta, que a primeira coisa para se escrever era ter um caderno de notas). Nos primeiros livros, eu fazia um esboço de esquema indicando a mim mesma a direção da narrativa. Hoje em dia, quando quero esclarecer o meu rumo, ainda faço isso. Nem sempre no início do livro. Felizmente o próprio avançar do trabalho te ajuda, sugere ideias, propõe soluções, até erros construtivos que se pode reformular e aproveitar. À medida que o texto vai progredindo essa ajuda aparece, e é importantíssima.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quanto à procrastinação, cada um lida com ela a seu próprio jeito. Eu leio, como já disse. O escritor argentino Manuel Puig, que tive o grande prazer de conhecer, como escrevia a lápis, passava horas fazendo a ponta deles antes de começar a escrever. O medo de não corresponder às expectativas existia em mim com muita angústia, mas agora não mais, já que em algumas não correspondi mesmo, não há nada a fazer. A outras, de mim para comigo, acho que sim. Tenho capacidade de insistência, não desisto da frase até ela me dar o máximo possível no momento. Sinto um enorme prazer com a música da língua, e fico contente quando produzo um parágrafo bom o suficiente para ser lido. Sou muito grata à literatura, devo tudo a ela. Cada vez mais para mim, em termos de satisfação, a literatura é uma jornada particular. Se quiserem me ler, que leiam. É claro que prefiro que leiam. Mas se não, paciência. A maturidade tem suas vantagens.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu trabalho muito nos textos, não consigo dizer quantas vezes, só os largo quando sinto que estão num ponto onde não é possível ir adiante. A ficção não dá moleza. Às vezes até depois de impressos, se me deixam fazê-lo, mudo pequenas coisas. Sempre existe algo numa ideia ou num som que pode ser aperfeiçoado. Sim, às vezes mostro meu trabalho para algum amigo paciente antes de publicar. É bom fazer isso, um olhar fresco ajuda a detectar escorregões. Mas na maioria das vezes não mostro. Sou preguiçosa e não transbordo de energia. Então vai rolando.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é de sanguessuga enjoada. Aprendo o feijão com arroz mínimo para fazer a geringonça funcionar. Posso tomar uma rara nota à mão (não sei mais escrever à mão), fora isso escrevo tudo ao computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não tenho a mínima noção de onde vêm minhas ideias. Vêm do que vivi, li e senti, acho. Das experiências boas e ruins, das viagens que fiz, das pessoas que amei, da mangueira da casa onde nasci, em Vila Isabel. De cada momento de vida, como acontece com todo mundo.