Mylene Mizrahi é doutora em Antropologia Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De modo geral começo o dia tomando um bom café da manhã ao mesmo tempo em que checo jornais, em formato impresso, e-mails e redes sociais, no celular e no tablet. Mas pode ocorrer também de ao acordar ir direto para o computador, adiantar pendências como responder e-mails ou produzir pequenos textos para deixar o restante do dia livre para a tarefa principal, seja a de escrever ou de preparar aula. Cada dia é um dia e como ele se desenrolará dependerá de compromissos que tenha agendado tanto para aquele dia como para aquela semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A parte do dia em que melhor trabalho é a da manhã, e mais ainda quando acordo bem cedo e ponho-me a trabalhar ainda antes de qualquer coisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na verdade a escrita depende do projeto que esteja me ocupando naquele período. Não possuo uma meta fechada, definida a priori, mas procuro estabelecer limites e metas para aquele dia, semana ou mês. É preciso notar que a escrita de uma tese é muito diferente da escrita de um artigo ou ensaio. Fui muito organizada na minha tese e desde muito antes de me colocar a escrever já tinha formulado minhas ideias fundamentais bem como o meu argumento, graças às muitas apresentações de trabalhos em congressos e seminários que fiz ao longo do curso de doutorado. Portanto, se posso sugerir algo é o de que trabalhem bastante durante o seu curso e apresentem intensamente suas pesquisas. Em relação a artigos e ensaios, fica mais fácil definir metas, como por exemplo a sessão que encerrarei, a revisão que farei, o período que utilizarei para escrevê-lo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na verdade a pesquisa é o motor fundamental da escrita. Posso dizer que minha simultânea formação como antropóloga e pesquisadora junto ao funk dão os nortes para o modo como entendo o mundo e me entendo nele. Ou seja, o funk e a antropologia estão sempre permeando minhas formulações. Estou sempre pensando com eles. Mas se a pesquisa é o motor, a escrita é em si mesma uma certa paixão. É por meio da escrita que consigo formular pensamentos e ideias que por meio da fala ou do exercício puro do pensamento não seria possível. A escrita é assim o gatilho para que ideias e pensamentos não só emerjam mas tomem corpo. A escrita é assim o mecanismo que me permite ser criativa e que acalma a mente. Não à toa as notas nunca estão encerradas. Costumo ter sempre em minha mesa de cabeceira um pequeno caderno no qual faço anotações de, por exemplo, frases e parágrafos que formulo mentalmente, seja ainda antes de dormir, seja ainda quando perco o sono. A escrita é assim um processo que não se esgota no momento em que estamos escrevendo. A mente segue funcionando, escrevendo e pensando, mesmo quando não no momento específico da escrita. Outro momento ótimo para que pensamentos se organizem é quando dirijo. Nesses momentos soluções inteiras se organizam e o mais provável é que acabe fazendo algum desvio do trajeto original…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O início da escrita de um artigo ou livro pode gerar angústia que, como já se disse, é como o sal para a comida. Sem ele a comida fica insípida e com excesso dele não conseguimos comer. Portanto, alguma angústia não faz mal a ninguém e é até bem-vinda. Então, uma estratégia para esse momento inicial é buscar algum lugar que me proteja de estímulos externos. Tenho por hábito escrever em casa e posso mudar de locais para que as ideias fluam melhor, como me refugiar no quarto. Outra coisa que é muito facilitadora é passar dias inteiros em casa, evitar circular e se expor a estímulos demais. Ter cadernos e caderninhos à mão é fundamental. Com as notas que neles faço adianto em muito passagens e articulações que poderia levar um tempo maior para fazer e de algum modo eles tornam a escrita mais ágil. São assim atalhos, alavancas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Novamente, não há uma regra, mas gosto de deixar o texto e a mente descansar um pouco, pois novas soluções virão, seja relendo o texto, seja pelo livre pensar. Escrever é entender ou estar ciente de que aquilo que sabemos ainda não sabemos de fato. Que só saberemos com o escrever, algo que se faz nesse bordejar entre pensamento e escrita que o próprio projeto e processo de escrever ensejam. E sim, gosto de mostrar para alguém de minha confiança meus escritos antes de os submeter.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como disse, sou adepta dos cadernos, mas isso não me impede de ter uma relação muito boa com a tecnologia. Uso todos os gadgets que tenho à mão e que facilitem a leitura, pesquisa e escrita. Ler, em especial, faço igualmente em livros como em tablets. E cadernos, não esqueçamos, são também uma tecnologia da escrita. Seja como for, muitas vezes faço um grande esquema em papel do que pretendo escrever, seja um artigo ou um livro. Esse é um hábito que inaugurei com a escrita de minha tese e que carrego comigo. Coloco ali o que sei que já está na minha cabeça. Esse esquema será assim um guia. Ao mesmo tempo, a escrita me mostrará as dificuldades para elicitar a minha ideia inicial, como ela não é tão simplesmente formulável ou não está pronta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A criatividade é um tema que muito me interessa. Não sei se cultivo hábitos para mantê-la em dia, mas entendo a criatividade como algo que é acionado, agenciado, permanentemente e na própria relação com o mundo. Penso que criatividade depende de uma atitude em relação à vida e ao mundo. Não penso ser possível sermos criativos em si mesmos, mas o somos na medida em que somos abertos ao mundo, em que somos curiosos, em que vivenciamos no mundo nossos interesses, em que nos abrimos para eles.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Não faria nada diferente na escrita de minha tese. Penso que sua escrita foi o grande momento de descoberta de como entendo o que é a escrita, tanto enquanto processo como quanto o entendimento de sua significação para mim mesma enquanto pessoa social. Mas sem dúvida hoje minha escrita é mais solta, segura, algo que o tempo e a prática vai nos dando.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade estou já iniciando um projeto que muito está me empolgando. Uma surpresa que me veio e que definitivamente era algo que adoraria fazer. E realmente não sei que livro gostaria de ler e que não existe. Na verdade a sensação é a de que há já muitos livros que existem e que gostaria de encontrar tempo para ler…