Mila Teixeira é poeta, dramaturga, prosadora e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quase que diariamente, às 11h, tenho reunião de criação. Trabalho profissionalmente como roteirista e essa reunião funciona como uma apresentação dos projetos que iremos trabalhar nas próximas semanas, meses ou até mesmo ano. Após acordar, tomar café da manhã e banho, nesses tempos de isolamento social, leio os resumos do que será debatido e me posiciono em frente ao meu computador. É uma reunião que dura de uma a duas horas, e na maioria das vezes, acaba perto do horário do almoço. É uma vontade acordar um pouco mais cedo para ler literatura. Gosto de ler em dois horários, de manhã e no começo da madrugada.
Em que horário do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Entendo que a escrita, principalmente no âmbito literário, é prática e hábito. Em relação à minha produção literária, tenho adotado metas semanais para melhor organização. Aos domingos, anoto o que quero começar, desenvolver ou concluir. Ter essa lista como guia tem funcionado para mim. Não me cobro pressa, não mais, e vou anotando referências ou coisas que acho que merecem atenção no meu caderno. Sou muito fã do papel e da caneta. Prefiro as noites, por mais que tenha a pretensão de me tornar matutina, sou notívaga até o último fio de cabelo. Me dou bem com o silêncio da noite, por mais piegas que isso soe. Consigo me concentrar melhor durante esse período. Caio no clichê de gostar de preparar chá para escrever.
Em relação à minha produção para o audiovisual, não tem jeito, os textos têm que estar prontos dentro de horário comercial, então, eu os escrevo e os entrego dentro desse período. Passo o dia escrevendo ou pesquisando para o trabalho. Me acostumei às cobranças dessa criatividade que vai das 10h às 19h.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já me impus metas diárias, mas entendi com o tempo que não funciono dessa forma, a não ser que precise entregar um texto dentro de um período curto de tempo, como foi o caso da minha última peça de teatro, Mandinga. Para ela, escrevi durante alguns dias, de forma ininterrupta, reescrevendo e revisando, porque outras pessoas (direção do teatro, produtora e atrizes) precisavam do texto em um tempo hábil para sua montagem. No geral, escrevo de forma espaçada, me aprofundando nos projetos que quero finalizar. Deixo muitas coisas pela metade, embora ache que vou retomá-las no tempo delas. Como disse, tenho pensado em metas semanais e elas têm funcionado, mas não sei até quando e não me preocupo com isso. Por mais que seja difícil de admitir, acho que tenho uma concentração um tanto quanto pulverizada (e isso tem se potencializado nas últimas semanas, dado o panorama geral). É algo que quero aprimorar, melhorar mesmo que minimamente, para conseguir me dedicar aos meus projetos da forma que desejo.
Como é seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre digo que bons roteiristas são bons pesquisadores. É uma vontade minha, ser uma boa roteirista, o audiovisual e suas possibilidades me fascinam profundamente, então, tenho me tornado uma pesquisadora cada vez melhor. Acho que minha boa pesquisa fica mais evidente nos meus roteiros, sejam eles para o grupo de comunicação que me emprega ou nos roteiros de curtas-metragens que filmei e pretendo filmar.
Gosto muito de pensar nas minhas referências, o que posso absorver delas e buscar novas, sempre. Dedico grande parte do meu tempo a isso. Para mim, assistir um filme e escrever em seguida a respeito dele, mesmo que brevemente, é algo primordial para que eu guarde o que posso usar dele futuramente, por exemplo. Meus livros são muito marcados por lápis, caneta e post-its. E eu sei para onde essas referências vão, como quero utilizá-las, mas sim, é uma dificuldade começar algo. Demoro não só a começar como também a continuar. Reviso e reescrevo bastante, sem dó. Escrever é cortar palavra, atribuem essa frase ao Drummond e ela me norteia. No que diz respeito ao meu registro vocal, me considero uma pessoa verborrágica, mas esse é um traço que, de forma alguma, quero que esteja presente na minha escrita. Passar o que quero no menor número de palavras é o ideal. E isso é demorado e difícil. O tempo de novo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Na estreia de Mandinga, a iluminadora me perguntou se eu estava nervosa. Eu não estava. Acho que minha experiência com televisão me ajudou no meu processo artístico. Não ficar nervosa com a estreia da minha peça não é lá nenhum mérito, mas não é algo que me estresse porque participar de transmissões ao vivo, vistas por centenas de milhares de pessoas, disciplinou minhas emoções, de certa forma. Acho que isso exemplifica que, na medida do possível, não tenho medo de não corresponder às expectativas alheias e externas. Talvez meu medo resida em não corresponder às minhas próprias expectativas, mas tenho cada vez mais me visto como uma pessoa tranquila em relação a isso. Também não tenho medo de trabalhar em projetos longos, a música do Caetano diz tudo: és um senhor tão bonito, tempo. Estou batendo nessa tecla, né? Mas acho que aprendi a duras penas a usar o tempo como meu aliado.
Não sei se me vejo como uma pessoa que possui travas de escrita, sendo muito honesta. A folha em branco não me assusta. A procrastinação pode ser uma aliada também, por mais que eu ache que não procrastine tanto assim. Se não escrevo, dentro do dia, vou consumir alguma coisa que me servirá como referência futura. Não que seja algo a ser ostentado. É importante entender quem você é para entender como essa procrastinação não vai te afetar negativamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Será que os textos, quaisquer que sejam, ficam realmente prontos? E não só os textos, tudo é passível de alteração e melhoria. É um questionamento quase retórico, porque sim, em algum momento eles serão filmados, montados ou publicados em algum lugar, mas gosto da ideia de que poderei alterá-los futuramente. Talvez num futuro distante. Lembro da Hilda Hilst falando da Lygia Fagundes Telles, que revia seus textos muitos anos depois de eles terem sido publicados. Hilda dizia que não tinha essa paciência e que admirava a amiga por isso. Também admiro.
Reviso, reescrevo, leio em voz alta, às vezes sozinha, às vezes para minha irmã, com quem moro. Já fui de mostrar para muitos amigos o que escrevia, mas tenho evitado isso por me sentir chata e também porque são meus amigos, talvez um olhar crítico fique de lado pelo vínculo de amizade. Gosto da ideia de edição profissional, alguém com um olhar distanciado e mais técnico sobre o que escrevi. Ana Luiza Rigueto é a editora de um livreto de poemas que pretendo lançar em um futuro próximo, No Rio de Janeiro Não Existem Quadrados Perfeitos (que é um título provisório). Apesar de ser minha amiga, Ana Luiza enquanto editora trabalha de forma muito profissional, expondo o que pensa sobre o que escrevi com muita sinceridade. Após a finalização desse projeto, quero que ela edite o primeiro livro que escrevi, que nunca foi lançado, 12 Poemas Sobre Perda. O convite já foi feito, mas em prol do método, preferimos terminar o projeto do livreto primeiro, antes de começarmos outro.
Como é a sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha primeira peça foi quase que integralmente escrita no bloco de notas do meu telefone. Eu usava o caminho para o trabalho e escrevia no ônibus. Não consigo escrever por muito tempo a mão e talvez o fato de escrever roteiros tenha me viciado um pouco no uso do computador. Não consigo escrever textos muito longos no papel, por mais que na maioria das vezes, eles sejam começados no meu caderno. Me dou bem com o word e com o teclado do meu computador. Acho que por ter histórico de lesões na mão esquerda (sou canhota), há uma ponderação em escrever por muito tempo com a caneta, também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Algo que me dava certo prazer e que escrevo aqui pelo registro passado, era ficar na rua, observando as pessoas. Às vezes, ouvir certas conversas me rendia ideias ou até mesmo textos. Espero retomar isso em algum momento. Acredito que estar em trânsito, movimento, é primordial para minha escrita, e com a impossibilidade do trânsito físico, tenho tentado me observar. Pretendo entrevistar amigas e amigos com perguntas pouco usuais em breve, vai que rende algo.
Além disso, e é algo que já era parte da minha rotina, como eu disse anteriormente, coleto referências quase que diariamente e busco me deparar com o novo, ver filmes novos, ouvir músicas novas, pesquisar sobre artistas que não conheço, para ser impactada pela primeira experiência de contato.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando comecei a escrever ainda era adolescente e por uns dois anos, escrevi muito a mão. Meu histórico de lesão por esforço repetitivo na mão esquerda vem daí, passei meses tendo que usar uma proteção especial que me impedia de escrever a mão. Talvez pelo trauma, não me vejo mais sentada com uma caneta na mão por horas. Além disso, é inegável que meu processo se tornou, mesmo que se tratando só de roteiro, profissional e mais técnico.
Acho que diria que guardar textos na gaveta por medo do que vão pensar deles não satisfaz necessidade ou desejo. Escrever é se expor. Também diria para não ter medo, receio ou até mesmo vergonha de escrever em versos. Acho que me assumi poeta tardiamente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A ideia de um romance epistolar tem me rondado há algum tempo. Tenho algumas boas referências e já anotei várias coisas a respeito, mas ainda não comecei. Como disse, não me apresso. Tenho para mim que uma hora vai sair.
Quando não são clássicos, raramente sei algo a respeito do que começo a ler, gosto da surpresa, mas pensando agora, gosto muito da ideia de mistura de gêneros. Existe um livro de receita escrito em formato de poesia? Imagina se os versos rimassem? Acharia um amor, gostaria de ler esse livro.