Midria da Silva Pereira é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa bem corrido normalmente. Faço estágio pela manhã, por isso quase sempre tô numa correria danada de despertar, tomar banho, engolir algo e chegar no trampo no horário. Minhas manhãs costumam ser um susto mesmo, então tem pouca rotina.. Num dia ou outro eu consigo ter tranquilidade, fazer yoga, ler e me organizar com calma, bem numa prática de bem-viver. Mas esses dias são raros.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que não tenho uma hora do dia específica! A inspiração é bem atemporal e vem em momentos em que preciso vomitar verbalmente sobre alguma coisa que vem martelando na minha cabeça. Isso realmente pode acontecer em qualquer período do dia.
Meu ritual de preparação para a escrita, talvez seja a vida em si. Me entregar aos momentos que surgem e se rolar, escreviver por eles (como diz a Conceição Evaristo).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrever, escrever mesmo, é algo que acabo fazendo todos os dias. Os fragmentos vão surgindo entre um busão e outro, entre o intervalo da aula e a volta de um rolê. Sempre tem algo me inspirando a externalizar meus pensamentos em palavra. O que eu costumo fazer em períodos concentrados é decorar minhas poesias. Esse processo de de(coração) costuma acontecer quando tenho algum tempo livre e posso ficar em casa meio procrastinando, meio poetisando. Além de decorar, às vezes surgem versos novos nesses momentos.
Já tentei me colocar metas de escrita diárias, até me envolver com desafios de criação literária, mas no final das contas acho que isso não é muito necessário. Talvez um bom tipo de meta pra eu investir seja a partilha das minhas poesias e o registro delas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é bem vivo e se relaciona muito com meu corpo, minha caminhada, minha existência como um todo. Por escrever poesia-falada, na maior parte do tempo estou escrevendo e já pensando em como o que escrevo é um discurso que reflete minha organização da realidade sobre os temas que me tocam. Normalmente é vida-descrita, poesia que eu tô recitando e sentindo.
Minhas notas já são os versos. Quando eles estão reunidos, a poesia está praticamente pronta. O que falta é reunir referências de músicas, eventos históricos e coisas do gênero. Vejo se tudo está com cola e é nessa fase que pesquisa e escrita se finalizam juntas fazendo nascer a poesia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento sempre imaginar a escrita e tudo aquilo que for consequência dela (envolvimento com projetos longos, de maior alcance) como uma grande brincadeira. A vida como um todo, pra mim não pode ser levada tão a sério. Se entrarmos nessa pira de escrita enquanto trabalho antes de qualquer coisa, acho que perde a graça. A gente perde o foco na mensagem, que na minha perspectiva é o mais importante. Antes de escrever “A menina que nasceu sem cor” eu não tinha nada a perder e depois que escrevi, continuei não tendo. A viralização que essa poesia teve, é uma dádiva sem fim, que eu valorizo, mas que não era a minha meta primeira.
Se eu escrevo, é antes de qualquer coisa, pra fazer sentido pra mim mesma. Se não tô escrevendo, provavelmente é porque não tô com muita coisa pra dizer ou ainda não passei pelos processos necessários para sintetizar minhas vivências em poesia. Procrastinar é ótimo (dá muita inspiração! rs com a correria da vida, às vezes a poesia vira um tipo de procrastinação e das boas!) e a única expectativa que eu tento manter é a de me mexer a aprender com os processos que a vida me proporciona.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sinto que minha poesia nunca está pronta. Sempre pode surgir algo novo a acrescentar, uma canção que ouvi e que ache que case com ela, uma referência nova, enfim. Poesia-falada é uma coisa viva que se transmuta e cresce inclusive enquanto a gente fala e chega no ouvido das outras pessoas de maneira totalmente particular.
Costumo mostrar minhas poesias ainda quando estou escrevendo e depois de “estruturadas” (pra não dizer prontas) para amigas próximas e/ou pessoas que tenham se envolvido com o processo de criação da narrativa da poesia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os rascunhos estão massivamente no meu bloco de notas do celular e é nele que vejo meu cadernos de devaneios rs É pra lá que sempre corro quando tenho alguma ideia. Mas depois de finalizar algum escrito, gosto de eternizá-lo no meu caderninho de poesias com alguma colagem e desenho acompanhando.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da vida, de episódios que me marcam e cingem minha existência de alguma forma. Minha poesia é bem personalista, quase sempre na primeira pessoa. Sou eu contando minha história, sobre ser da periferia, sobre descobrir minha negritude, sobre descobrir meu prazer, minha autonomia sobre minha estética, meu espaço na universidade e o que mais fizer sentido partilhar.
Talvez não para me manter criativa, mas inspirada, eu curta muito ouvir música e apreciar artes visuais, seja virtualmente ou por exposições bacanas. Também amo ouvir histórias e por vezes até um trecho de uma conversa na rua me inspira a escrever e pensar em como aquilo me toca. Aproveitando esse espaço para fazer indicações! A poesia do Igor Chico me inspira muito, as colagens de @blackcollage_, e meus álbuns favoritos desse ano são uma puta referência também: Gigantes (BK), A Cigarra na Folha de Pedra (Renato Pessoa), Orí (Nayra Lays) e Espelho (Drik Barbosa). Sempre estar aberta a trocas com as pessoas que encontro, é algo essencial não só pra me manter “criativa”, mas também pra me manter bem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que ao longo dos anos, assim como eu amadureci, minha escrita floresceu também. Meus textos se tornaram mais profundos, com mais referências e uma mensagem mais madura. Um reflexo de quem escreve mesmo. Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria um grande “OBRIGADA” às Midria de 8, de 11 e de 15 anos. Elas escreviam aquilo que acontecia na realidade delas, transmitiam pro papel o que podiam e sabiam. E sem elas eu não teria chegado aqui. Daria um bom tapinha nas costas e um abraço afetuoso, diria pra elas continuarem se amando e descobrindo na escrita um refúgio “interpelável”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Vixi! Tem muitos. (risos) Quero muito me envolver mais com dança, música e performance poética como um todo. Reunir essas linguagens em um show poético é uma meta que tenho pra essas férias de final de ano. Também quero aproveitar o público que já venho cativando pra partilhar mais do que escrevo e penso com essas pessoas maravilhosas que tenho muito prazer em encontrar. O livro que gostaria de ler e ainda não existe é um livro que reúna minhas poesias e colagens manuais e digitais. Um fragmento de mim mesma registrado pra esse mundo.