Michelle Gironda Cabrera é doutora em direito socioeconômico pela PUCPR.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A rotina matinal, para mim, é muito importante. Em um mundo perfeito, gostaria de acordar com calma e tempo para meditar, tomar um café com tranquilidade, ler notícias e começar a exercitar o corpo e a mente. Como não sou exatamente uma pessoa matutina, demoro para “pegar no tranco”. Porém, normalmente dou aulas pela manhã, o que acaba fazendo com que a minha rotina seja acordar, tomar um café e ir para a faculdade correndo. Infelizmente no Brasil é muito difícil ser pesquisador em tempo integral. Há diversas outras atividades profissionais que precisamos realizar e é preciso ter alguma rotina para literalmente não enlouquecer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu corpo e minha mente estão no seu auge no período da noite. Não tenho exatamente um ritual de preparação, mas me é essencial o autoexílio. Preciso estar sozinha e longe de qualquer barulho (o que significa desligar celular e redes sociais). Às vezes deixo um som rolando ao fundo, música clássica, jazz, instrumental. Também deixo sempre água, chá ou outra bebida ao meu alcance. Os livros que estou utilizando no momento da escrita ficam ao meu redor, rabiscados e marcados na minha própria confusão/organização. É preciso que cada pessoa encontre o seu ritual de escrita e confie nele.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como é difícil ser pesquisador em dedicação exclusiva, normalmente escrevo em períodos concentrados, especialmente quando não tenho outras atividades profissionais. Quando possuo prazos, como o da tese que foi meu último prazo, eu estabeleço uma meta diária sim, mas tento não me cobrar tanto pois escrever não é uma atividade mecânica. Depende do estado mental e físico e pode ser que isto mude. Então se escrevo mais em um dia, me permito escrever menos em outros. Mas considero importante estabelecer metas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é intenso. Quando começo a escrever e tenho tempo para isto, posso passar horas assim. A preparação da escrita depende de pesquisa profunda sobre o tema. Por isto o processo de escrita é sempre secundário ao conhecimento. Só se escreve quando se tem o que dizer e isto depende de leitura e pesquisa. Não há outra fórmula. Hoje em dia pesquisadores são muito cobrados para produzirem e penso que isto acaba comprometendo a qualidade do que se escreve. Tenho visto muita coisa escrita e pouco conteúdo. Por outro lado, tenho muitos alunos bons e comprometidos que têm dificuldade em iniciar a escrita. Lembro-os sempre da lição do poeta catalão: Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar”. Ou seja, todo processo de iniciação à escrita é desconhecido. O caminho se faz caminhando.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinar é algo com que quase todo escritor se depara. É preciso ter alguma meta e vontade. Além do mais, gostar do que se escreve e pesquisa. Ter tesão mesmo por aquilo, senão não se chega a lugar nenhum. É melhor mudar de tema quando não se acredita mais no que se escreve. E não corresponder às expectativas é uma insegurança que precisa ser encarada. É preciso acreditar no conhecimento adquirido e saber que ninguém está isento de críticas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes. Não sei dizer ao certo quantas vezes, porque a cada capítulo ou partes escritas, há uma certa revisão do que foi feito antes. Não necessariamente mostro para alguém antes de publicar, mas certamente conto com sugestões pontuais de amigos e colegas também pesquisadores. Gosto de conversar sobre meu tema com as pessoas e saber o que elas pensam sobre. Se conheço alguém especialista no tema, dou um jeito de entrar em contato também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, mas leio sempre em livros físicos e os rabisco, faço anotações à mão desde sempre. É assim que minhas conexões mentais acontecem, quando escrevo minhas elucubrações mentais a mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio muito desde sempre e me interesso por literatura e poesia e também por cinema. Ver filmes expande minha mente. Acredito que a leitura técnica e dogmática emburrece. O cultivo da mente criativa e aberta depende da leitura daquilo onde possamos extravasar nossa existência humana.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estou mais segura hoje em dia, exatamente em decorrência do conhecimento. Quanto mais conhecimento, mais seguros nos sentimos. Também meu pensamento se tornou radicalmente mais crítico e comprometido com a transformação social.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso em escrever um livro de poesias com mais dois amigos que também escrevem poesia e possuem profundidade e sensibilidade perante a vida. Já começamos o projeto. Espero que dê certo. Tenho muitos livros que gostaria de ler e eles existem. Apenas gostaria de ter mais tempo mesmo.