Michelle Ferret é poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa cedinho. Levanto as cinco da manhã para organizar a vida, porque começo a trabalhar muito cedo e tenho dois filhos, uma que estuda pela manhã. Mas antes de tudo, anoto o sonho que tive durante a noite. Tenho um caderninho só para isso que me ajuda muito na escritura dos poemas ao longo do dia, é como um despertar de dentro, do inconsciente. Quando consigo, medito um pouco, tomo café e o dia começa. Mas tento manter esse ritual da escrita dos sonhos, porque acho fundamental para impulsionar o que existe aqui dentro pra fora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando o poema está chegando, eu sinto. Às vezes acontece numa tarde, numa chuva ou fica dias martelando na cabeça. Tem poemas que começam com uma frase, uma voz, uma sensação e sinto profundamente a forma como chegam e depois mais racionalmente tento trabalhar da melhor forma de colocar no papel. Geralmente escrevo de uma vez só, depois vou lapidando. É como um furacão dentro de mim. Gosto de ir para um local silencioso e escrever, quando não posso escrevo no meio do mundo mesmo, porque é urgente. A poesia pede essa urgência.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Nem que seja um pouco a cada dia, mas é um exercício, mas não tenho meta nenhuma, gosto de escrever livremente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Às vezes não vem um poema inteiro, mas uma frase, uma palavra que vai me trazer força da escrita. Gosto de ter caderninhos coloridos, que chamo carinhosamente de cadernos de delírios e neles escrevo e vivo a poesia da forma mais intensa que posso. Quando a palavra ou o estímulo chega eu trabalho com essa força e assim é o movimento diário. Tem uns dias que comecei a gravar áudios pra mim mesma com frases que vem na cabeça e dali começo a escrita, tem sido um exercício delicioso também.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando isso acontece eu tento me respeitar e contemplar. Já entendi dentro de mim que é um tempo importante para a poesia. Gosto de olhar as nuvens quando isso acontece, divagar sobre a vida, observar mesmo sobretudo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso poucas vezes, quando eu não gosto eu refaço e depois reviso duas ou três vezes. E depois de um tempo perdi a vergonha de postar e publicar nas redes sociais, enviar para amigos. Eu tinha muita vergonha quando comecei a escrever, hoje com 41 anos acho que a gente perde isso, não sinto mais esse medo ou angustia, é mais leve esse processo, porque entendo que cada pessoa tem seu próprio processo, seu próprio olhar e cada um sente a poesi de sua maneira, assim como seus sonhos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é constante, mas quase sempre escrevo meus poemas nos caderninhos antes de passar para qualquer meio digital. Gosto desse movimento da escrita, de segurar a caneta, o lápis, de ver o papel desenhando as letras é um ritual bonito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vem de todo lugar, dos sonhos, de uma conversa, de filmes, de observação do mundo. Sempre lembro de Manoel de Barros, de olhar o mundo com os olhos de criança. Sempre tento voltar para esse lugar, do encantamento, de olhar o mundo com olhar poético, de transcender o que existe de mais concreto para sentir melhor a vida. Acho que esse é um processo que faço todos os dias…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a maturidade da vida, a forma de encarar a dureza da vida. Quando eu era mais nova, quando comecei a escrever, antes dos vinte, a vida tinha outra forma. Hoje com 41, dois filhos, tento trazer leveza para tudo de uma forma que as vezes não consigo e dói. E acolho essa dor. Eu diria pra mim mesma que tenha coragem e vá em frente, que a vida é muito além de tudo isso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ano passado ministrei oficina de poesia pelo país e descobri muito que é o que eu mais amo fazer, compartilhar a vida e a poesia. Tenho o desejo de conseguir um dia viver só disso, da escrita, ainda não consegui. Gostaria de ler um livro de Manoel de Barros pós pandemia, mas isso só será escrito no outro plano.