Michaela v. Schmaedel é jornalista de cultura e poeta, autora do livro “Coração Cansado” (editora Penalux, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho duas rotinas: uma é acordar às seis horas para tomar café da manhã com meus filhos, a outra é voltar a dormir mais uma hora assim que eles saem de casa (isso antes da pandemia). Esta segunda manhã, quando acordo de novo, é o meu tempo para a escrita, quando consigo, como escreveu Virginia Woolf, ter um teto só meu. Não é todo dia que isso é possível, mas quando acontece, tento escrever alguma coisa, nem que seja a ideia de um poema. Numa oficina de escrita, a poeta Angélica Freitas passou uma vez um exercício que achei muito importante — e muito simples — do qual virei adepta: escrever num bloquinho sem parar durante 10, 20, 30 minutos (o tempo que tiver disponível) o que vier à cabeça. Escrever o que estiver vendo, pensando, sentindo, sem se preocupar com erros ou encadeamento de ideias. Depois, com o tempo, dá para perceber que há, nestas anotações, uma energia muito forte, muitas vezes os melhores poemas nascem daí. Como escreveu Adrienne Rich, “Os poemas são como sonhos: neles você coloca o que você não sabe que sabe”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, escrevo melhor, tanto poesia como resenha ou qualquer outro tipo de texto. É a hora em que os pensamentos me parecem mais claros, menos contaminados. Sempre me lembro de um poema de Bertolt Brecht que se chama Prazeres, e que tem a ver com esta sensação que a manhã provoca. Começa assim: “O primeiro olhar pela janela de manhã/ O velho livro encontrado/ Rostos entusiasmados/ Neve, a mudança das estações/ O Jornal/ O cão/ A dialética (…)”. Este cotidiano que parece a coisa mais banal é, para mim, assunto poético, então esta é a hora mais importante do dia, quando tenho um olhar descansado do mundo, ainda que no meio de dias tão difíceis, como os que estamos passando agora.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, mas nem sempre consigo. Não tenho meta em relação à quantidade, mas procuro anotar algumas ideias nos caderninhos, alguns esboços de poemas. Depois, passo o que acho que rende alguma coisa para o bloco de notas do celular. Lá, vou mexendo e organizando melhor, cortando em versos, cortando todos os versos (risos) e assim por diante. Quando acho que tenho um poema ali, passo para o computador. Lá, volto algumas vezes por mês e mexo um pouco mais. Os poemas que resistem a todo este processo vão para uma outra pasta: a de poemas editados. Ou seja, não é tão fácil chegar até ali, são poemas sobreviventes (risos).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de escrever sem ter um projeto pré-determinado. Em geral, o caminho é exatamente o contrário: escrevo os poemas de modo disperso e, depois, cortando e mexendo, percebo que há entre eles um tema ou algo que os une de alguma maneira. Minha pesquisa é ler muita poesia todos os dias, leio até quando estou dirigindo (parada no semáforo), na sala de espera de algum consultório, na padaria. Vou variando entre poetas clássicos, contemporâneos, gosto também de ir atrás de poetas de países que não chegam aqui as traduções. Neste aspecto, a internet é uma maravilha! Sem falar na possibilidade de trocar mensagens com os próprios poetas, de ver a produção acontecendo ali, já que muitos publicam os poemas quase que em tempo real. É muito bom poder acompanhar isso. Acho que esta é, para mim, a grande vantagem de redes sociais como o Facebook, por exemplo. Não sei de que outro jeito eu conseguiria conhecer poetas de Angola, Portugal, México, trocar livros com eles e acompanhar seus trabalhos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sou muito ansiosa. Para nada, aliás (o que também pode ser um defeito). Vou escrevendo na medida que tenho algo a dizer sobre o que o mundo, a natureza, a cidade, as pessoas, meus filhos. O projeto, se existir, vai se criando aos poucos. Quanto às expectativas, já aprendi: tem gente que vai gostar da sua poesia, tem gente que não. Tento escrever poemas que me deixem minimamente satisfeita, mas não levo a ferro e fogo todas as críticas, porque há sempre um tipo de poesia que nos diz mais e outra que não nos diz tanto. Tento levar a crítica a sério quando acho que ela tem um embasamento técnico. Quando alguém diz: “Olha, neste verso, você está repetindo a mesma ideia deste outro”. Ou: “Você faz sempre finais muito conclusivos”. Ainda assim, às vezes, aquilo pode ser proposital. O interessante, num poema, é você conseguir defendê-lo para si mesmo, porque haverá sempre a turma do contra — ou dos amigos que gostam de tudo que você escreve. Um poeta uma vez me disse: “É preciso aceitar também os maus poemas, porque eles também fazem parte do que você precisa para chegar aos bons”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Mexo bastante nos poemas até achar que não há mais jeito de modificá-los para melhor. Se não fico satisfeita, jogo fora. Costumo mostrar para alguns amigos poetas, para saber a opinião deles, e também mostro para todos aqui de casa. É sempre um corre-corre e um salve-se quem puder quando eu falo: “Quem quer ouvir um poema novo meu?”. (Risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão, depois passo para o celular, depois para o computador a versão já melhorada. Depois vou salvando os editados em 1, 2, 3, 4, porque assim tenho todas as versões de um mesmo poema. Às vezes, depois de alguns meses de distanciamento, você vê que a versão anterior de um poema é melhor do que a nova, então é sempre interessante salvar estas mudanças.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que minhas ideias vêm das coisas do dia a dia, do que vejo, das músicas que ouço, dos filmes, do que leio. Em geral, quando viajo, me sinto mais inspirada para escrever, porque as coisas têm aquela força criadora da novidade. Mas, nestes tempos de pandemia, consigo ter alguma inspiração pensando na dinâmica da casa, nas crianças, nos bichos domésticos, na clausura que estamos vivendo. Mas é algo mais difícil para mim. Tenho que me esforçar. O impulso maior acontece quando estou num lugar novo ou perto da natureza.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevia poesia aos 10, 12 anos de idade, tenho vários caderninhos dessa época. Depois, na juventude, abandonei os poemas e migrei para o jornalismo. Continuei a ler poesia, mas deixei de escrever poemas. Com a morte do meu pai, há alguns anos, senti um impulso muito forte em voltar a escrever coisas que não fossem de trabalho. Para a minha surpresa, o que vinha, nessa época em que eu estava tão triste, era uma escrita em versos. No começo, achei que fosse algo passageiro, algo que me ajudaria apenas na passagem do luto. Mas depois, percebi que não. Então, fui fazer vários cursos de poesia, com poetas como Tarso de Melo, Ricardo Domeneck, Ismar Tirelli Neto, Angélica Freitas, e cursei também o Clipe (Curso Livre de Preparação do Escritor), na Casa das Rosas, uma imersão poética de um ano com excelentes professores. E aqui estou.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um próximo livro de poemas já quase pronto que fiz durante uma viagem ao Quênia, em novembro de 2019. Está em fase de revisão, vai sair pela Cas’a Edições, uma editora muito bacana de Belo Horizonte. Se tudo der certo, sai no começo do ano que vem. Sobre os livros eu gostaria de ler e que ainda não existem… Ah, minha vontade era a de levar meus poetas preferidos para o campo. Queria que alguns poetas que são muito urbanos fizessem livros com poemas falando da natureza. Queria, na verdade, transformar todos eles, durante um período, em um Gary Snyder ou um Leonardo Fróes (risos) para ver o que acontece. Gosto da poesia da cidade, moro em São Paulo, mas às vezes eu a acho um pouco opressora, claustrofóbica. A poesia que me acalma — e a que mais me comove — é sempre a que fala da natureza.