Maycon Prates é escritor pertencente à literatura marginal.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Primeiramente, tomo uma xícara cheia de café, pois levantar somente não me acorda de verdade, sou muito sonolento. O café tem esse poder sobre mim de me trazer à realidade, antes disso sou um mero sonâmbulo. A rotina matinal durante este período pandêmico vem sendo bastante uniforme e repetitiva, porém posso acordar mais tarde para acompanhar as aulas da graduação; o horário até então era às 5h da manhã quando eu saía da periferia da zona leste de São Paulo em direção ao centro. Hoje, acordo exatamente às 7h15 para assistir às aulas que se iniciam quase sempre às 7h30. Normalmente, a videoaula se encerra às 11h, onde enfim preparo alguma coisa para dejejuar. Às vezes, há projetos posteriores estendendo o horário até o meio-dia.
E, é dessa maneira que toco minhas manhãs. Quando não há aula aproveito para dormir um pouquinho mais, pois costumo dormir tarde, já que produzo mais conteúdo durante a noite e a madrugada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem sombra de dúvidas, ao final da noite e pela madrugada! Eu costumo dizer que meu primeiro livro (Pueril) é “filho” da noite, porque foi praticamente produzido em sua totalidade no período noturno. É nessa parte do dia que me sinto pleno para ter ideias, criar, compor e escrever. Quando consigo o sossego necessário e a paz para encontrar-me comigo mesmo; no instante em que as pessoas adormecem, simultaneamente, desperto-me. Eu sou uma pessoa absurdamente noturna, minhas inspirações fluem e fruem mais à vontade. Sempre antes de iniciar meus escritos, procuro colocar uma música que me anime e motive-me a escrever. Comumente, uma playlist com uma batida marcante, um R&B quase sempre; a batida me envolve e faz-me querer exercer bem meu trabalho. Outrora, deixo tocando, em qualquer ordem, os sucessos do Rei do Pop. Michael Jackson é minha maior inspiração artística, toda vez que o escuto motivo-me a ser perfeito e dedicado em minha arte como ele um dia fora.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Infelizmente, não possuo o hábito de escrever cotidianamente (é algo que careço evoluir e melhorar). Escrevo apenas em períodos concentrados ou específicos, geralmente quando tenho a ideia finalizada e/ou já bem encaminhada em minha mente para pousá-las no papel. Não estipulo metas, pois sei que há uma parcela de possibilidade de que eu não consiga cumpri-las, ainda mais tratando-se do contexto atual de pandemia e barbárie social em que vivemos desmotivo-me facilmente, fazendo com que eu não consiga escrever com a dedicação requerida e a perfeição ordinária.
Na verdade, existe uma rara exceção nesse meu processo de escrita: A crônica. Escrevo-a sempre quando um fato do cotidiano me chama a atenção ou me deixa indignado; tenho de súbito a vontade escrevê-la e finalizá-la instantaneamente, passando com veracidade o sentimento em sua expressão. Pensando bem, a crônica destoa bastante do meu comum jeito de escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do gênero que estou escrevendo. O poema habitualmente me surge num lampejo de um verso: o primeiro ou o último, trazendo com eles o tema que o eu lírico tratará na poesia. A partir do surgimento de um deles permeio-o com o conteúdo que quero expressar. Sou fascinado por escrever poemas! Pois, é um processo inato a mim, espontâneo. Escrevo como respiro, e respiro em forma de versos e estrofes. Consigo me expressar tão perfeitamente em pouco espaço. Em tão pouquíssimos versos posso dizer tudo e até o indizível. Foi na poesia que me iniciei na literatura, por isso ela será meu eterno amor. A crônica, como eu já dissera antes, é um fato, um ato que deve ser finalizado enquanto iniciado. Caso postergue-se, perderá a intensidade. Todos os gêneros que escrevo detêm de sua dose de crítica social; nela aplico boa parte dos meus posicionamentos políticos e sociais. Por derradeiro, vem o conto. E aqui entra meu processo de compilação na escrita; o conto é o gênero mais demorado para eu escrever, demoro dias ou semanas juntando trechos e acontecimentos para construir a história da melhor e mais perfeita forma possível. O conto tem seu enredo que, apesar de sua ordem ou digressões deve ter-se início, clímax e finalizar; constituir cada detalhe dessa narrativa ou até mesmo começa-la é um procedimento minucioso para mim. Sou muito perfeccionista com o que escrevo e no conto isso aparece ainda mais escancarado.
Quando quero buscar inspiração recorro a muitas coisas: na poesia de Camões até Sergio Vaz, do canônico ao marginal; das crônicas de Nelson Rodrigues e minhas próprias vivencias como escritor Pobre, Preto, Periférico e de Pessoa com deficiência; dos contos do meu maior ídolo literário – Machado de Assis – até a introspeção de Clarice e Graciliano, o metafisico de Guimarães Rosa à realidade nua e crua de Carolina Maria de Jesus. E assim, vou-me embebendo de várias fontes para melhor hidratar minha escrita. Ultimamente, ando muito lendo o realismo fantástico (meu próximo livro girará em torno desse gênero literário) hispano-americano e, principalmente do moçambicano Mia Couto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ainda não sei muito bem lidar com essas travas. Talvez a procrastinação seja a minha principal inimiga no processo de criação da minha escrita; ainda neste período de pandemia, sempre acabo deixando para escrever em um momento no qual esteja mais animado para tal ação vital de mim, no entanto esse especifico instante nunca acaba por chegar. Sou escritor que gosto escrever quando estou em plenitude exterior e interior, pois assim sei que colherei ao ponto o máximo de ideias que tiver; caso contrário sei que não corresponderei às minhas expectativas perfeccionistas. Eis aqui outra grande trava que atravanca meu escrever. Morro de medo de não corresponder às expectativas, porém não as alheias, mas sim as minhas próprias. Sou extremamente perfeccionista em tudo que executo, e não seria diferente com a escrita. Hiper criterioso ao método utilizado. Todavia, mesmo não estando correspondente e não escrevendo em completa inspiração, ainda assim escrevo! Já por inúmeras vezes me ocorrera de odiar um texto e quase jogá-lo fora de desgosto ao ler, e tempos depois rele-lo e acha-lo intensamente incrível. Apesar das barreiras ainda teimo em criar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Pouquíssimas vezes. Habitualmente, sinto que meus textos estão perfeitos desde os seus nascimentos, uma vez que ao termina-los creio que era daquela exata forma que deveriam ter sido escritos, independentemente de não corresponderem às minhas expectativas ou não; uma hora ou outra, seja breve ou num futuro mais a longo prazo sei que as revisões e correções surgirão automaticamente. Tudo isso é referente à estética e à estilística da escrita, porque a gramatica e a ortografia sempre vivo em constante adaptação, não somente para se alcançar a maneira mais correta, e sim para uma expressão mais plena e acessível.
Costumo sempre que ao finalizar qualquer coisa mostrá-la para minha irmã que, igualmente a mim, é estudante de letras. Peço-lhe ajuda e indicações, críticas e observações para melhorar meu texto. Perguntou-lhe se o texto está entendível e profundo; normalmente ultrapasso meu nível de qualidade. Outrora, disponho meus escritos ao Vinicius dos Santos Xavier, o mesmo que fizera o prefácio do meu livro. A partir disso, conversamos muito sobre métodos e mestres, ele me indica autores para melhor me inspirar e espelhar-me.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É uma relação completamente indissociável. Primordialmente, o celular tornou-se meu instrumento de trabalho. A maioria dos meus escritos e anotações são registrados no cotidiano do bloco de notas do meu smartphone. Quase tudo que redijo passa pela tela pequena do celular. Ao sentir que o texto está perfeito, ou melhor dizendo, pronto para ser concretizado eu o transfiro para o computador, onde vejo o layout, o tamanho em si do texto, coloco em leitura em voz alta para sentir como está a fluidez do escrito. Em outras palavras, é no pc que faço os derradeiros retoques ao que antes escrevi no celular ou à mão. Este fato raramente me acomete, é muito difícil eu escrever de próprio punho, apesar de ter uma letra legível e bem bonita, só uso o lápis e a folha de caderno quando de súbito vem uma intensa carência de expressão deste modo; caso contrário, o celular sempre será meu caderno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem da vida, da morte, do tempo, dos sentimentos, do tangível, do metafisico, da realidade, da fantasia; em suma, viver me inspira, me dá combustível de ideias para escrever e criar. No nosso hodierno cenário, devido ao inerente distanciamento e isolamento social fui privado da minha principal fonte de movimento e escrita. A vida paralisou-se e, consequentemente, eu também. Estagnei por quase seis meses sem criar quaisquer tipos de gêneros durante esse tempo. Tanto que cheguei a pensar na burra ideia de parar definitivamente de escrever, acreditem! Mas graças a algumas percepções em leituras que fiz nesse penumbroso período e em mim mesmo pouco a pouco fizeram minha eviterna paixão reascender como a fênix, ainda mais forte. E, foi nessa contemplação individual que pude perceber um hábito a mim inato, e que só depois de alguns anos na estrada da escrita que fui perceber: nunca consigo expressar e escrever o sentimento que estou sentindo naquele exato momento, mas sim o oposto. E, cheguei à conclusão que, quando algum sentimento embala o meu ser não consigo expressá-los no momento, unicamente porque meu foco é senti-los ao máximo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que eu esteja um pouco mais maduro e paciente comigo mesmo e meu processo de escrita, sem exercer muita pressão ou me sobrecarregar em produzir. Também sou humano e tenho meus momentos de instabilidade e paralisação; enfim, entendo isso agora. Outra coisa que metamorfoseou fora a forma mais corriqueira com minhas ideias me apareciam. Antigamente, elas me surgiam ao correr d´água, seja na torneira lavando as mãos, no chuveiro banhando-se ou observando o cair da chuva. Pareciam que minhas inspirações eram correntes como o líquido. Já hoje em dia, mudaram-se as rotas das ideias, elas aparecem-me durante o sono, no inconsciente do adormecimento ou na fantasia dos sonhos. Sou um dos raros privilegiados que se rememoram do que se passara na cabeça enquanto estava dormindo.
O que eu diria a mim mesmo no passado? Continue, pois só caminhei e cheguei ao destino almejado através desses seus primeiros passos. Continue, Maycon.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto que tenho muita, mas muita vontade mesmo de realizar são saraus, slams, rodas de leituras, ou qualquer outro projeto que fomente a literatura e a escrita nas escolas aqui da região na minha comunidade do Sapopemba, zona leste de São Paulo. A literatura aqui quase não chega, é tão escassa. Seria uma grande realização retribuir tudo que esse lugar um dia já fez por mim. Eu gostaria de ler mais escritores que fossem pessoas com deficiência como eu, ou um livro escrito e tendo como um protagonista uma pessoa com deficiência, mas quem sabe se no futuro eu não faça isso, não é mesmo?