Maya Falks é publicitária, jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende muito a época. Comecei a trabalhar com 14 anos, então, na maior parte da minha vida, minha rotina matinal era o trabalho mesmo. Atualmente (agosto de 2018) estou em tratamento médico e o maior volume de medicação é de manhã, o que me deixa muito debilitada. Acabou se tornando, nos últimos meses, um período de muita reflexão, o que não deixa de ser positivo, de certa maneira.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Madrugada. Adoro madrugadas. Meu segundo romance, Histórias de Minha Morte, foi predominantemente escrito de madrugada. Claro que era mais fácil trabalhar à minha maneira porque na época eu estagiava meio turno e podia dormir de manhã. O primeiro, Depois de Tudo, foi mais complicado pelo emprego em turno integral, até hoje não sei explicar como consegui lidar com tudo, já que à época eu fazia uma pós-graduação junto.
Meu grande ritual, quando surge uma ideia, é encontrar uma música que me transmita sensações favoráveis à história. Não necessariamente escrevo ouvindo a música em questão, mas a sensação que ela me transmite ajuda no tom da narrativa. Costumo ouvir a música repetidamente criando os personagens na minha cabeça, só vou pro papel quando já estou íntima deles.
Para se ter uma ideia, a “música tom” do Depois de Tudo é “Here Whithout You”, da banda Three Doors Down, uma música romântica para um livro romântico. Já pro Histórias, a música foi “Numb”, do Linkin Park. A relação entre a música e o livro é tão evidente que eu começo o livro com uma frase do refrão da música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço metas para evitar frustração – confesso que invejo aqueles autores que tem uma e conseguem mantê-la. Mas a escrita é tão parte de mim que a minha criação não para nunca. Por exemplo, nesse período de tratamento médico, tenho dificuldade de escrever devido à fraqueza e ao tempo que passo acamada, mas não deixei de criar por conta disso, tenho todo um novo romance se construindo na minha cabeça; tão logo eu conseguir voltar ao ritmo normal de produção, certamente esse romance será construído em um período curto.
Excetuando esse momento específico de enfermidade, tenho por hábito escrever o tempo todo – seja post de facebook, poesia, crônica, conto ou um romance inteiro; além disso, sou redatora publicitária, atuei quase vinte anos na área, é um trabalho em que passo literalmente o dia todo escrevendo. Agora estou em vias de me formar em jornalismo, ou seja, além da literatura, a escrita me acompanha por tudo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Comecei com literatura há 33 anos, então meus processos de escrita mudaram muito a ponto de eu não reconhecer mais minha produção como um processo, algo ordenado e organizado. Sou muito visceral no meu trabalho, as histórias se escolhem e invadem a minha vida até que eu me doe a elas.
Sim, eu sei que é super esquisito falar assim, mas é exatamente como acontece. Em geral uma história começa a se construir em um momento de bobeira mesmo – no banho, antes de dormir, numa fila de banco… – se não vejo potencial nela, me divirto por uns dias construindo ela na cabeça sem nunca colocar no papel. Se vejo potencial, em geral escrevo algumas linhas e guardo em uma pasta. A partir daí, alguma dessas histórias me invade de novo e eu volto a ela até terminar ou até achar que ela ainda precisa amadurecer um pouco mais. Tudo isso ocorre de forma totalmente natural, sem estabelecer uma rotina ou me forçar a nada.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já travei muito na publicidade, mas na literatura não, pelo contrário, tenho sempre ideias demais – e isso nem sempre é positivo.
Diria que a procrastinação é minha maior barreira, sem dúvida nenhuma. Me distraio muito fácil, meu pensamento voa, ou lembro de outra coisa que eu queria fazer. Nunca deixei de realizar nenhuma atividade ou de cumprir prazos por isso, mas sinto que meu trabalho fluiria muito melhor se eu conseguisse me focar mais. Isso é relativamente recente, inclusive, já fui reconhecida em empresas onde trabalhei exatamente pelo meu foco e minha capacidade de concentração. Acho que no fundo é um pouco fruto do cansaço mesmo.
Não tenho medo de não corresponder expectativas porque começo cada trabalho já sabendo que não vou correspondê-las. Vai ter gente que vai amar, vai ter gente que vai achar ok, vai ter gente que vai detestar e vai ter quem sequer vai entender, isso é 100% inevitável. Lógico que eu adoraria ser unanimidade, mas isso é mais irreal que qualquer literatura de ficção. O meu medo, nesse caso, é não conseguir me sentir satisfeita, achar que podia ter feito mais, e isso é um sentimento comum, mas reconheço meus limites e sei que não sou perfeita, que estou aprendendo com a vida e com os erros, então não fico me torturando em nome da história ideal, até porque ela não existe.
Não fico ansiosa quando começo um novo romance; fico empolgada! Amo as possibilidades do novo, daquilo que depende de mim para existir. A página em branco é meu parquinho de diversões.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende muito. O Depois de Tudo passou por várias revisões e mudanças e foi lido por muita gente antes da publicação porque eu levei oito anos pra conseguir uma editora (modelo tradicional, que banque a publicação porque eu não posso), Já o Histórias foi edital público; antes da submissão à comissão julgadora, eu revisei somente uma vez, para verificar que a história estava toda amarrada, do começo ao fim. A aprovação veio depois da leitura de cinco profissionais da comissão e por fim passou por mais três revisões, duas de profissionais designados pelo edital e uma minha. Já os livros de poesia, o Versos e Outras Insanidades – que foi formalmente publicado – passou pela revisão das sócias da editora e o Poemas para Ler no Front, que publiquei na internet e ainda busco editora, passou por uma revisão ortográfica única, minha. Cheguei a mandar ele para algumas pessoas olharem antes da publicação, mas nenhuma me deu retorno. Arrisquei e deu certo, há quem diga que é meu melhor livro – ironicamente o único sem selo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação quase obrigatória com a tecnologia. Embora tenha sempre um caderninho por perto e prefira escrever poesia à mão, qualquer texto mais longo – seja um artigo, um conto, uma crônica ou um romance – precisa ser no computador. Sofro de tendinite crônica, não aguento mais do que poucas linhas, ando sempre com anti-inflamatório em adesivo e se tenho disciplinas que aplicam provas escritas na faculdade, por exemplo, é certeza de que terminarei o dia com o punho imobilizado.
Sinto saudade de escrever mais à mão, me parece mais intimista, mas realmente não consigo, o teclado pra mim é fundamental.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vem de tudo. Lembro de uma cena do filme “Beleza Americana”, em que o rapaz havia gravado por vários minutos uma sacola de plástico voando e tentava explicar a beleza daquela cena. É mais ou menos isso, absolutamente qualquer coisa pode virar fonte de inspiração – de uma conversa no banco de trás do ônibus a uma simples florzinha no canteiro entre pistas. Por sinal, já fui premiada com uma crônica que falava de uma flor nascida entre as pedras da rua.
Meus hábitos que contribuem para a minha criatividade são os estímulos artísticos: livros, filmes, peças, artes plásticas, entre outros. Mas os aspectos que considero mais importantes pra minha produção é me manter sensível ao mundo ao meu redor e dialogar com pessoas de diferentes realidades – gosto de escrever sobre aquilo que desconheço.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo de escrita sofre variações a cada texto, então eu diria que mudou tudo! Comecei aos três anos, ditando as histórias pra minha mãe, passei pela adolescência e os poemas de amor no verso das provas, um começo de idade adulta e uma arrogância de quem achava que ganharia o Nobel de Literatura até a maturidade onde trabalho temas mais sociais porque quero fazer a diferença, mesmo que mínima, na vida dos leitores. Escrevo porque esse é meu jeito de existir.
Se voltasse à minha infância e pudesse me dar um conselho lá no meu primeiro livro aos sete anos, seria: “Não se iluda, vida de artista é muito mais difícil do que parece, e você vai sofrer muito”. Mas, se bem me conheço, eu ignoraria o conselho e faria tudo do mesmo jeito!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu TCC de jornalismo vai ser um livro-reportagem sobre o poeta Gonçalves Dias. Era pra já estar fazendo, mas as questões de saúde não permitiram e ficou pro ano que vem. É um projeto que me empolga e me assusta ao mesmo tempo; primeiro porque nunca escrevi um livro-reportagem, é uma linguagem que não estou acostumada, segundo porque não existe uma única pessoa viva que tenha conhecido o poeta, então meu trabalho será todo baseado em livros antigos e intuição de quem estuda o trabalho dele desde os 14 anos.
Sobre o livro que eu gostaria de ler e não existe… creio que algum relato sobre a guerra da Síria em uma visão mais pessoal, no estilo Diário de Anne Frank. Escrevi um poema chamado “Aleppo” sobre o tema, vi muitos documentários e reportagens sobre a guerra pra escrever o poema, mas um livro assim não tenho conhecimento que exista.