Maya Falks é publicitária, jornalista e escritora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Na verdade não organizo, as coisas sempre acontecem no seu próprio ritmo. Não tenho uma vida estável, cada dia é algo novo e imprevisível, então sempre que tento fazer planos de uma rotina, dá errado. Além disso, minha escrita é muito visceral, é comum acontecer de eu mergulhar de tal forma que sai livro novo em poucos dias, ou de começar uma história com uma empolgação gigante e esfriar.
Dos projetos, gosto quando tem um monte de coisa acontecendo, gosto desse movimento e da possibilidade de muitas perspectivas, o grande problema é que minha bipolaridade não me permite manter um ritmo acelerado por muito tempo; entro em vários projetos sabendo que em alguns momentos ele podem se tornar um martírio porque nunca deixo de fazer minha parte, independente do meu estado. Sou muito aconselhada a pegar leve, a assumir um compromisso por vez, e acho que devia seguir esses conselhos, mas…. Não perco oportunidades por medo do que vem depois ou de não conseguir lidar.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Depende muito, cada novo projeto é também uma nova oportunidade de experimentar processos diferentes, maneiras diferentes de percorrer o mesmo caminho. A experimentação é meu maior combustível, tanto que meus livros – mesmo que tenham aquele toque que é só meu – são bem diferentes um do outro, cada um aconteceu de um jeito. Acredito na importância do planejamento e da organização, inclusive ensino isso nas minhas oficinas, mas esse processo não funciona comigo, é algo bem particular, funciono no caos. Santuário é o exemplo perfeito disso; cada texto foi escrito de forma independente e sem pretensão, não havia sequer o plano de um livro, muito menos um caminho a ser trilhado, e ele não apenas deu muito certo como muitos leitores realmente achavam que seu formato não linear e diverso era uma estratégia. Não era, foi simplesmente como aconteceu. Já o Histórias de Minha Morte comecei sabendo onde queria chegar, mas o caminho até lá aconteceu de forma orgânica, poucas coisas no andamento do livro foram previamente pensadas.
Das dificuldades, a primeira frase. É na primeira frase que começa o processo de encantamento com a história. Uma primeira frase mal feita ou opaca pode atrapalhar muito no engajamento do leitor. Claro que o que vem depois é ainda mais importante, não adianta ter uma primeira frase incrível e depois jogar o leitor em uma história medíocre e mal elaborada. A última é um pouco mais fácil porque já estamos no clima da história, mas ainda é fundamental sem muito bem pensada, é o último contato do leitor com a história.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sem rotina, é na vontade mesmo. Quando a história está acontecendo,a vontade de continuar é o grande combustível, as ideias surgem, se encaixam, amadurecem e a escrita se torna uma necessidade, não é possível não escrever.
O ambiente conta, sinto a diferença quando tenho a possibilidade de trabalhar em um ambiente tranquilo e silencioso, ou com a trilha sonora ideal, mas isso nem sempre é possivel; minha primeira produção de 2021 aconteceu em meio a vários tipos de caos, sem silêncio, sem espaço de trabalho e boa parte dele foi escrito no celular porque fiquei um bom tempo sem nenhum outro artefato, daí ganhei um tablet usado de uma leitora que viu minha dificuldade e isso ajudou bastante. A gente nem sempre consegue trabalhar nas condições ideais, é importante conseguir se adaptar.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Por incrível que pareça, a procrastinação é ruim quando existe um prazo ou um plano pré-estabelecido, caso contrário pode ser até bem positivo. Acredito muito no ócio criativo; quando procrastinamos, podemos não estar agindo, mas a cabeça segue funcionando. É justamente nesse funcionar descompromissado que as ideias fluem melhor. Me cobro muito esse excesso de produção, e os dias de completa inatividade acabam sendo um ganho no meu processo criativo.
Nem todo mundo entende como pode ser positivo um dia jogada na cama assistindo bobagem no YouTube, mas ajuda, até para limpar a mente e preparar o cérebro pra próxima empreitada.
Os travamentos também são muito naturais. Somos humanos, a cabeça cansa, quando se trabalha com criatividade os travamentos podem ser até uma forma de a cabeça avisar que está sobrecarregada. Pessoalmente gosto de ouvir músicas calmas e respeitar meu tempo. Não que não dê o desespero quando tem prazo, mas forçar muito não ajuda.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O primeiro livro de 2021. Eu já tinha a ideia em mente, mas não fluiu com a mesma naturalidade dos demais. Embora eu goste do resultado, não foi nada fácil, inclusive foi bastante sofrido.
De orgulho, é difícil responder porque cada livro tem suas particularidades que me dão orgulho, mas acho justo citar Santuário, não apenas pelo livro em si, que ficou ótimo, mas por todo contexto: foi meu primeiro livro depois de um ano parada por conta da depressão, foi todo ilustrado por mim sendo que comecei a desenhar como forma de terapia e teve um envolvimento muito profundo da editora (Macabéa), o que tornou esse livro muito emblemático.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Não escolho, são eles que se escolhem. Acho que por isso o primeiro livro de 2021 foi tão sofrido: escolhi um tema de forma muito racional e não tive tempo de internalizar a ideia para torna-la mais visceral. Trabalhos mecânicos não funcionam comigo, e esse livro, embora não tenha sido, digamos, friamente calculado, também não “escorregou”, como costumo falar dos livros que parecem que se escrevem sozinhos. O “Eu também nasci sem asas” foi um que fluiu de forma tão natural que nem pareceu ter sido escrito, foi como se já tivesse surgido pronto. Gostei do resultado do livro novo (não cito nome porque concorre ao prêmio CEPE), mas foi um processo doloroso, como se meu cérebro dissesse “não era esse o livro que você deveria estar escrevendo”.
Do público, o que tenho sempre em mente quando escrevo é que existem pessoas em sofrimento pelos mais diversos motivos; trabalho muito com denúncia e preciso dosar o ímpeto do choque com o respeito a quem enfrenta os problemas denunciados.
Quero que minha literatura cause impacto, quero que as pessoas saibam diferentes da leitura, que sintam e reflitam, mas não quero de forma alguma que meu trabalho seja fruto de dor ou que contribua com algum estigma ou preconceito. Luto por um mundo melhor e minha literatura está a serviço disso.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Sempre me senti à vontade. Embora eu seja extremamente sensível e trabalhe com responsabilidade pra garantir um trabalho o melhor possível, não sou perfeita, estou muito longe disso. Muitas vezes, expor o rascunho, as primeiras linhas, pode ser a chance perfeita para corrigir defeitos já de largada, ou para discutir ideias que mudem para melhor o rumo da narrativa.
Em geral, a primeira pessoa a ter acesso ao meu material é minha mãe! Depois varia muito.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Acho que já nasci decidida! Não há, em toda a história da minha vida, algum momento em que eu não tenha me dedicado à escrita. Desde a primeira infância ditando histórias pra minha mãe, depois eu nessa escrevendo, daí vieram as escolhas profissionais que começaram na publicidade, onde atuei quase 20 anos como redatora, depois me formei em jornalismo e hoje estudo Letras. Em todo esse tempo, a literatura esteve presente.
Não consigo imaginar o que teria sido importante ouvir quando comecei porque comecei muito cedo, mas hoje ministro oficinas com dicas daquilo que eu queria ter aprendido de forma menos dolorosa. Tudo o que aprendi nesses 35 anos de literatura foi na porrada mesmo. Recebi alguns conselhos, os quais sou muito grata, mas no começo da minha jornada em publicação foram as rasteiras minha maior escola. Primeiro que o fazer arte é muito glamourizado e a vida real é bem diferente. Tem diferença entre ser artista e ser celebridade, por exemplo. Você entra no mundo real e vê uma galera talentosa passando fome enquanto tem muita gente medíocre com muitos dígitos na conta bancária. Eu escrevo, não quero sair na capa da Caras nem pisar em tapete vermelho, só queria conseguir pagar as contas do mês, daí a gente precisa se humilhar horrores, perder noite de sono tentando decifrar edital, deixar de fazer nosso trabalho pra correr atrás de mil documentos pra concorrer a edital de baixo valor com desconto imenso de IR que a gente é isento porque nem por milagre consegue faturar o bastante pra declaração anual.
Sou uma que estou sempre inventando alguma coisa para sobreviver, a galera tá sempre se virando pra vender livro nas redes sociais. Não há glamour, há trabalho, muito trabalho, é preciso muita persistência, muita paixão e resiliência. Faço porque amo, faço porque não existe vida possível sem literatura.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Nenhuma dificuldade, na verdade. Nosso estilo vem da experiência e da própria vida, pode inclusive mudar bastante com a passagem dos anos justamente porque amadurecemos, conhecemos coisas novas, recebemos novos estímulos e influências. Trabalho muito com o tema “morte”, mas cada livro que trato o tema é de um jeito novo, particular. Embora seja possível reconhecer meu “toque” no que produzo, gosto que cada livro tenha sua própria individualidade.
Muitas autoras me influenciam diariamente, em especial entre as brasileiras contemporâneas. Prefiro não citar nomes para não ser injusta, mas posso dizer com segurança que a mulherada da literatura está fazendo muito bonito.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Como eu resenho para o meu blog Bibliofilia Cotidiana, acabo recomendando muitos livros, mas um que me marcou de forma muito profunda foi Torto Arado.