Mauro Paz é escritor, cineasta e redator publicitário, autor de Entre Lembrar e Esquecer (Patuá), romance finalista do Prêmio São Paulo de Literatura (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Café. Escrita. Leitura. Natação. Essa é a rotina que tento seguir, nem sempre dá.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor pelas manhãs. As ideias estão frescas e sem interferência dos problemas cotidianos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pra mim, a parte mais difícil da escrita é definir sobre qual tema vou escrever e qual recorte darei nesse tema. Depois dessas questões resolvidas, escrevo todos os dias nem que seja um parágrafo. Minha meta, porém, é de 3 páginas por dia, quando se trata de literatura e 5 páginas para roteiros.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu normalmente inicio uma história a partir de uma imagem ou de um acontecimento real que me chama atenção. Durante a pesquisa recolho o máximo que posso sobre o universo dos personagens que pretendo construir. A pesquisa é prévia. Dificilmente, depois que eu embalo escrevendo, paro para pesquisar algo porque os personagens já estão em movimento no texto. Após terminar o texto, retomo algumas questões de pesquisa e peço a opinião de especialistas no assunto para conferir se não errei feio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas de escrita normalmente se dão por eu não saber em qual projeto vou investir. Nesses casos, preciso parar, sair do apartamento e ver o mundo. Ver gente na rua. Ver relações reais. Encontrar com a minha família, amigos. Isso tudo coloca os sentimentos em movimento e me ajuda a encontrar um caminho de escrita verdadeiro para mim. A história precisa me mover para que eu consiga comover o outro.
Quando a procrastinação surge, uso a disciplina de escrever com tempo marcado. Quando o tempo marcado não funciona, eu procuro o motivo que está me travando. Muitas vezes o corpo ou a cabeça pedem um tempo. É importante respeitar.
O medo de não corresponder não surge tanto pra mim durante a escrita. Meu trabalho com a propaganda me ensinou que onde há verdade há conexão. Então busco escrever pautado em sentimentos que me movimentem.
Ansiedade. Esse é o dragão da sociedade do desempenho. Trato ele com natação, terapia, sol, vez que outra reduzo o café. Podem dizer que isso é coisa de autor Nutella. Prefiro esse rótulo do que enlouquecer mais do que o saudável. (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando escrevo contos não gosto de reler. Escrevo em um tiro só. Sei que ali tem um fluxo verdadeiro e que faz sentido. Porém para textos mais longos, costumo ler algumas vezes. Três em média.
Mostrar os trabalhos para pessoas de confiança é fundamental pra mim. Escuto bastante meus amigos. Não acato a tudo, mas é importante escutar. Perceber o que o texto está gerando no leitor. Como disse antes, quando se trata de um tema que demanda pesquisa, gosto de saber se não estou cometendo nenhum erro grave.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Rascunho sempre à mão. Tenho alguns blocos. Abuso deles. Separo por texto que estou trabalhando. Nas notas do celular, anoto ideias soltas. Não gosto de rascunhar no computador porque me dispersa muito. O papel não conecta com o facebook, ainda. Frente a uma folha em branco vejo minhas ideias melhor do que frente a um arquivo de Word vizinho do Chrome.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que as ideias escolhem a gente. Não o contrário. Porém para uma ideia que anda solta por aí te escolha, você precisa estar atento ao mundo. Ler. Ver exposições. Assistir filmes, séries. Escutar seus amigos. Observar pessoas na rua. Quando você oferece seu olhar ao mundo, o mundo se revela generoso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos me tornei mais criterioso quanto ao que escrever. Não acho isso bom. Experimentar e errar são momentos importantes. Sinto falta de errar mais. Por isso, se eu pudesse falar comigo de anos atrás, eu diria: erre mais, erre em cheio e sem medo de escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu adoraria escrever um livro ou série sobre a formação dos Racionais MCs. Mesmo se eu não escrevesse esse projeto, acredito que ele é o livro que eu gostaria muito de ler. Há tempos defendo que Sobrevivendo no Inferno é o melhor livro de contos escrito no Brasil durante os anos 90. O hip hop é a verdadeira narrativa dos oprimidos do mundo. É a primeira vez que o discurso do gueto toma o mundo de assalto e consolida padrões estéticos nas artes plásticas, cinema, moda. Por mais que o blues, o samba e o jazz tenham origem negra, o discurso desses ritmos tem como base o lamento, não a contestação. O rock nasceu negro, mas se tornou contestador com os punks brancos ingleses. O reggae é incrível, mas é uma música de paz. Já o hip hop é uma música de luta para a tomada de espaços. E aqui no Brasil, a locomotiva desse movimento foram os Racionais MCs.