Mauro Oddo Nogueira é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo sempre com um sofrimento, pois jamais consegui dormir cedo. Assim, acordar para trabalhar no “horário comercial” é quase um suplício. Começo com um cafezinho e, às vezes, um iogurte e sigo a rotina diária de pegar o ônibus para o trabalho e, nele, ir lendo e-mails, zaps, Facebook, jornais etc.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Bem… aqui me dei conta de que terei que me desdobrar em dois para responder às perguntas: o pesquisador e o poeta.
Como profissão – isto é, meio de vida – sou pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), onde realizo estudos sobre a produtividade, as micro e pequenas empresas e a informalidade na economia brasileira. É, portanto, da escrita que vem meu ganha pão. Mas meu outro lado da moeda (ou será que é o mesmo???) escreve poesias. São duas relações completamente diferentes com o ofício de escrever, seja pelo objeto, seja pelo conteúdo, seja pela forma ou pela disciplina necessária.
No caso da pesquisa, tento manter uma disciplina de só trabalhar no local de trabalho, evitando que essa atividade invada minha vida pessoal, mas isso nem sempre é possível…
Quanto à poesia, como eu disse, sou notívago, portanto o mais comum é que escreva pelas madrugadas.
Quanto a um ritual, que eu tenha me dado conta, não tenho nenhum específico.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na pesquisa, varia muito em função das demandas, dos resultados e dos prazos. Há períodos em que não escrevo nada, me dedicando a leituras, produção de dados ou outras atividades no Ipea. Em outros, escrevo praticamente o dia todo.
Já a poesia é uma atividade muito associada a uma “necessidade de escrever”. Não chamaria de “inspiração”, mas de necessidade mesmo. É uma combinação de uma ideia com uma vontade, algo que estou sentindo e que preciso expressar. Assim, tudo vai depender de como essa necessidade se manifesta. É comum eu passar longos períodos sem escrever – às vezes anos – e, do mesmo modo, períodos extremamente profícuos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A autotortura da primeira frase… Iniciar os textos científicos é sempre uma angústia. De modo geral, só me decido a começar a escrever quando já tenho a maior parte das informações necessárias e toda a estrutura do texto na cabeça. O problema é a primeira frase! Depois que ela surge, o resto do texto segue de maneira fluida. Mas, muitas vezes, são até mesmo dias jogando paciência no computador até que ela apareça.
Na poesia não há esse compromisso. A necessidade surge e o poema se desenvolve a partir dela. Algumas vezes surge um primeiro verso, outras apenas a ideia e o verso tem que ser construído. Tanto posso definir a forma do poema a priori – isto é, posso, de antemão definir que escreverei um soneto, por exemplo – como ela pode surgir depois de dois ou três versos. E é ao longo do desenvolvimento do poema que a busca pela rima, pela palavra análoga, pela métrica impõe, um trabalho de garimpagem, que pode consumir dias ou semanas. Por outro lado, há situações nas quais o poema sai inteiro, de uma só vez na medida em que vou escrevendo. Isso significa, por exemplo, sair do banho molhado com um poema inteiro na cabeça e correr para escrevê-lo antes que esquecesse ou escrever um poema em um embrulho que estava carregando dentro da barca Rio-Niterói.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso não é algo que me angustie mais. Vivi essa angústia muito pesadamente na minha tese de doutorado (no mestrado isso não havia sido um problema). Acho que depois disso fiquei vacinado… Sei que as travas, a procrastinação, a dúvida sobre os resultados e a qualidade (ou receptividade) do trabalho fazem parte do processo e que, ao fim e ao cabo, as coisas acontecerão no tempo certo e com a qualidade que espero. Pelo menos tem sido assim até hoje.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nos trabalhos acadêmicos, esse é outro problema meu: não somente não gosto de revisar, como definitivamente não consigo fazê-lo adequadamente. Depois que escrevo, não tenho a menor paciência para reler o que fiz. E, se tentar, faço com uma displicência incontrolável e a revisão é absolutamente inócua. Por isso, sempre peço a alguém para fazer uma revisão para mim tanto de forma quanto e conteúdo. Mais ainda, acho que é fundamental discutir o trabalho com outras pessoas antes da publicação. Isso serve tanto para verificar inconsistências que acabamos não vendo por conta do nosso envolvimento, como identificar a possibilidade de acréscimos enriquecedores. Na verdade, raramente escrevo um texto sozinho. Gosto sempre de fazer o trabalho de pesquisa com um ou mais parceiros. O resultado é sempre muito mais rico e mais robusto do que quando feito por uma pessoa só. Não apenas por um revisar o trabalho do outro, mas também pela sinergia resultante do trabalho coletivo.
Na poesia também tenho essa dificuldade de revisar. Mas, como são textos curtos, acabo conseguindo. E, por ser algo muito pessoal, não me lembro de ter pedido a alguém para revisar um poema antes que eu o divulgasse.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho nenhum problema com tecnologia, até porque trabalhei na área de sistemas muitos anos e meu Doutorado é em Engenharia de Sistemas e Computação. Porém, mais uma vez, os processos dos dois lados da moeda divergem. O pesquisador escreve sempre direto no computador. Já a leitura, meu limite para ler na “telinha” é de três páginas. Sei que não é muito ambientalmente correto, mas quando o texto ultrapassa esse tamanho, não tem jeito, tenho que imprimi-lo para ler.
Já o poeta escreve sempre no papel – invariavelmente com caneta preta. Não consigo fazer poesia no computador… Já me perguntei o porquê disso por diversas vezes, mas não consigo identificar o motivo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Creio que são dois hábitos que alimentam minhas ideias e que me mantêm criativo.
O primeiro deles é um hábito que cultivo desde criança: a curiosidade.
Aí a pesquisa e a poesia se juntam e se complementam. Para mim, ambas são formas de compreender o mundo. E é essa curiosidade, esse desejo de compreensão do mundo, do outro e de mim mesmo que as alimenta.
O outro é a leitura. Sou um leitor contumaz e leio de tudo: prosa, poesia, ensaios, biografias, tudo. Não consigo dormir sem ler alguma coisa antes. Já cheguei até a ler a lista telefônica!!! O problema é que eram muitos personagens… Falando sério, quem se lembra das listas telefônicas deve também se lembrar que, nas primeiras páginas, elas traziam um texto sobre a cidade, com sua história, dados econômicos e demográficos etc. Uma vez, durante uma viagem, o livro que eu levava terminou e, para conseguir dormir, acabei lendo a essa parte da lista.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tanto nos textos científicos quanto na poesia, quando releio os escritos antigos, fica gritante para mim o amadurecimento na técnica, na forma, no modo de encarar o mundo…
Se pudesse voltar, me diria nada. O aprendizado é fruto de um processo que precisa ser vivido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Se fosse enumerar os projetos de pesquisa que gostaria de fazer, ocuparia 20 páginas.
Em relação à poesia, tenho várias ideias e temas a explorar e de formas a experimentar. Mas elas vão rolar quando tiverem que rolar, não são uma meta objetiva. Assim, O poema que realmente quero muito fazer é o próximo.
Quanto ao livro que gostaria de ler, eu tenho tantos livros na fila da estante e na lista de compras para ler e que não dou conta, que é difícil imaginar algum que ainda não faça parte delas.