Mauricio Vieira é escritor, jardineiro de palavras.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Procuro sempre escrever uma página por dia, mas nem sempre é possível. Nulla dies sine linea é um objetivo que falho com certa frequência.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Melhor de manhã, com o cérebro e o café fresco, as horas mágicas, segundo Victor Hugo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever sobre os temas que surgiram ao longo do dia anterior, expandir algumas ideias, ver se a inspiração ajuda, se saem algumas frases inesperadas que puxam outras. A meta é ver estas frases na página, e a outra meta é não se desesperar por não vê-las.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Há um diálogo constante entre as notas e a escrita. Utilizo cadernos e o aplicativo Evernote para manter um mínimo de organização.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre tenho alguns projetos em paralelo, então tento mover de um para o outro para não deixar empacado um texto. De algum lugar, de algo inusitado, surgirá a palavra ou pensamento que fará avançar aquele textinho empacado. Uma cenoura bem bonita e saborosa?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante. Tenho um livro que levou cinco anos para ser escrito. Os temas foram se agregando, as ideais se aprimorando, as cenas e personagens surgindo, e as frases ganhando contornos. Um verdadeiro lapidar de todo o processo. Depois mostro a alguns amigos escritores e poetas generosos o bastante para colocar de lado tempo para ler obra alheia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Romance, no computador, pois minha caligrafia é muito ruim e depois não consigo entender o que escrevi.
Poema, sempre à mão, lápis no papel, muito lápis, muito papel, até que por fim transfiro para o computador, depois de pelo menos uns dez rascunhos, muitas marcas de escansão no papel, palavras e frases riscadas, um processo trabalhoso que faz com que nada mais no universo exista.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muita leitura, de tópicos variados, como botânica, biologia, etologia, filosofia, poesia e literatura em diversos idiomas (português, inglês, espanhol, francês, italiano), sociologia, antropologia, revistas como Economist, Times Literary Supplement, Paris Review, New York Review of Books, entre outras. Observação direta da natureza, de processos, de aproximações entre processos, e sempre desconfiar das palavras. Isto é o mais importante: a arbitrariedade de tanto do que é escrito, sobretudo nas ciências humanas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou o fato de ser mais crítico, ter mais pensamento crítico. Diria ao jovem escritor de passar mais tempo pensando as coisas de vários ângulos antes de escrever, considerar melhor e habitar as ideias de lados díspares, ter um distanciamento crítico, e acima de tudo, aprender com quem soube rir da comédia humana como Shakespeare, Cervantes e Rabelais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho certeza que este livro já existe, eu é que ainda não o descobri, soterrado de leituras e digressões movidas pela curiosidade.