Mauricio Duarte é jornalista, autor de A arquitetura das constelações (Patuá, 2017), Balde de água suja (Patuá, 2015) e Rumor Nenhum (7Letras, 2007).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal está ligada ao meu trabalho de jornalista, ao meu emprego. Basicamente é acordar, tomar banho, um café preto e ir trabalhar. Até porque sou uma pessoa que não funciona muito bem pela manhã, então não seria a melhor hora para escrever. Com isso, não existe para mim uma rotina ligada ao exercício literário. Nem teria como.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Certamente trabalho melhor à noite, ou mesmo de madrugada. Não sou um sujeito matutino. Não tenho exatamente um ritual de escrita, aquela coisa tipo Vinicius escrevia na banheira, Hemingway escrevia de pé etc. A única coisa que gosto é de escrever ouvindo música. Geralmente ouço música enquanto escrevo. De resto, não cumpro nenhum ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu processo de escrita é absolutamente caótico. Não obedece a nenhum senso de disciplina ou meta diária. Mas geralmente escrevo em períodos concentrados. Fico longos períodos sem escrever. Porém, quando escrevo, acontece em volume considerável num curto espaço de tempo. Aí depois passo mais tempo refinando aquilo do que escrevendo de fato, até considerar pronto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse, não tenho um processo claro ou definido. No fundo, acho que minha vida está tomada pelas responsabilidades cotidianas, pela vida prática, e a escrita é uma rara fratura nessa “vida administrativa”, como escreveu Herberto Helder. Eu faço anotações, claro, de ideias, imagens etc. E isso pode acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar: andando na rua, no ônibus, no trabalho, tanto faz. Mas posso deixar aquilo guardado ali quieto por um ano e só então retomar, justamente quando essa incontornável fissura em meu dia a dia se abrir.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Simplesmente não lido. Não me obrigo a escrever. Talvez me obrigasse se de fato vivesse disso, o que não é o caso. Escrevo só quando realmente acho que tenho algo a dizer. Ainda assim, na maioria das vezes, não fico feliz com o resultado. Porém, não fico me martirizando ou sofrendo com essa situação. É trabalho. Tentativa e erro. Mais erro do que acerto. É aquela coisa do Beckett de tentar de novo, errar de novo, errar melhor. Há uma constante tensão entre o que se quer dizer e o que se consegue dizer. E a linguagem será sempre insuficiente para abarcar isso. É preciso lidar com essa frustração permanente e tentar errar o melhor possível.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Gosto sempre de imprimir tudo e ler no papel, fazer anotações e por aí vai. É um hábito meio antiquado essa coisa de imprimir, eu sei, mas é o que funciona para mim. Sobre mostrar a outras pessoas, eu mostro sim. Acho importante trocar ideias, colher observações. Todo diálogo literário é bem-vindo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma ótima relação com a tecnologia. De forma alguma a considero inimiga ou hostil ao trabalho literário. Meus primeiros rascunhos são feitos com o que eu tiver disponível à mão ali no momento. Pode ser um bloquinho (sempre tenho um), ou mesmo o bloco de notas do celular, que também uso bastante. Por fim, vou para o computador e organizo os poemas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que as ideias vêm sempre da observação, da anotação, da pesquisa. No fundo, embora exista no fazer literário uma dose de comoção que te desperte algo diferente do trivial, é trabalho. Não tenho um hábito propriamente dito para me manter criativo, mas considero que o mais importante para conseguir escrever é estar sempre lendo. Antes de tudo, sou um leitor, e isso é o mais importante para mim. Escrevo muito pouco – a não ser profissionalmente, claro. Mas literatura mesmo, escrevo pouco. Agora, por exemplo, faz mais de um ano que não escrevo nada. As pessoas deviam ler mais e escrever menos. Isso devia ser um mantra. Às vezes tenho a impressão de que temos mais escritores do que leitores no país. E as conversas que tenho com amigos editores parecem confirmar isso. É uma situação bizarra.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei se mudou alguma coisa no processo. Acho que somente a maturidade mesmo, ser mais seletivo, um julgamento crítico que vem naturalmente com a idade. O único conselho que daria a mim mesmo é para segurar a ansiedade, tanto para escrever quanto para publicar. Acho que é um mal que acomete muitos autores jovens, principalmente a vontade de publicar. Eu nem publiquei cedo, mas mesmo assim existia essa ansiedade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho nenhum projeto em mente no momento. Sobre o livro que eu queria ler, pode ser qualquer coisa inédita do Raduan Nassar. Ainda acho que existe um livro novo em alguma gaveta escondida lá do sítio dele que será descoberto. Torço para isso.