Matheus Arcaro é escritor e professor de filosofia, autor de “O lado imóvel do tempo”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como sou professor, atualmente dou aula 3 manhãs por semana. Nos outros dias da semana, costumo acordar, tomar café e ler um pouco. Depois, vou resolver as questões do dia a dia, tanto em relação aos serviços domésticos, quanto aos serviços de leitura crítica ou preparação de aula. Quando estou com meus filhos, obviamente, as preocupações são outras. É bem verdade que na pandemia, a lógica mudou um pouco. Sobretudo em relação à saúde mental para conseguir criar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Até a publicação do meu segundo livro, em 2016, eu costumava escrever mais à noite e de madrugada. Agora, como a vida mudou, não tenho um horário fixo ou uma rotina rígida. Escrevo nos hiatos do dia, nos intervalos de trabalhos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não escrevo todos os dias. Aliás, por vezes, fico semanas sem escrever. Parece que é uma espécie de “banho maria”, de ruminação das experiências que se transformarão em texto. Antes eu me cobrava produtividade literária, agora não mais. E me sinto bem assim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo andar com caderninhos de anotação e, quando não estou com um, utilizo o bloco de notas do celular. Geralmente uma cena do cotidiano ou uma conversa escutada em algum lugar geram uma “centelha” que se transforma numa frase ou num conjunto de palavras que, a princípio, parecem desconexas. Depois de um tempo, revisito esses excertos e, muitas vezes, eles se transformam em algo bem diferente da intenção inicial. Aí vem o trabalho de lapidação, como se eu puxasse a linha do novelo, como se eu estivesse montando um quebra cabeça sem ver a imagem total de referência.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Antes eu ficava bem preocupado com essas travas. Agora aprendi a lidar melhor com isso. Tento fazer qualquer outra coisa. Ler poesia é algo que me ajuda bastante. Outra coisa que tenho feito é exercício físico. Ler Drummond ou Clarice e depois dar uma caminhada ou uma corrida: eis uma boa maneira, pra mim, de desatar os nós da criação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Digo com frequência que escrever literatura é muito mais reescrever do que propriamente escrever. Eu reescrevo muito. Depois, deixo o texto “descansar”, releio e, às vezes ainda reescrevo. Meu processo de criação é lento. Por fim, mostro o texto para algumas pessoas. E, dependendo dos apontamentos recebidos, ainda lapido um pouco mais o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depois das “notas iniciais”, escrevo direto no computador. Já acostumei a “jogar” frases na tela, a escrever o final de um conto antes de chegar à metade dele ou a construir a psiquê de uma personagem antes mesmo de colocá-la em ação, por exemplo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu não acredito em “inspiração”. Pelo menos não nos moldes da tradição, como se o artista fosse um “médium” que recebe sua arte das Musas. Acredito que a criação se dá por uma série de fatores como, por exemplo, aptidão, bagagem cultural, cultivo da sensibilidade e capacidade de observação. E tem que se levar em conta também o estado de espírito do momento. Às vezes, naquele dia, não vai rolar escrever. E tudo bem. Basta tentar no dia seguinte.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria a mim mesmo três coisas:
- Não há necessidade de forçar a barra para o texto parecer literário. Seja mais fluído, menos verborrágico.
- Se você não se tornar um Manuel Bandeira ou um Graciliano Ramos está tudo bem. Cada um tem seu tempo e seu espaço.
- A literatura está muito mais na vida do que nos livros.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou “ensaiando” um romance há alguns anos, mas ainda não comecei de fato. Tenho o esqueleto mental: a protagonista é uma mulher com Alzheimer relatando sua própria história de vida. A ideia é que, por meio de um fluxo de consciência, a narradora se contradiga, se repita, se questione sobre o que contou. Enfim, espero começar esse ano ainda. Quanto ao que eu gostaria de ler (e que existe em abundância): pretendo mergulhar mais na literatura africana e oriental. E também ler mais mulheres.