Marta Cocco é escritora e professora de Literatura da Universidade do Estado de Mato Grosso.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma mais ou menos rotina. Em casa, tomo um café sem açúcar e fico com a doçura do canto dos passarinhos (felizmente ainda cantam). Se a casa estiver bagunçada, primeiro a faxina. Se não, vou direto ao computador. Leio alguma notícia, dou uma vasculhada nas redes sociais, no e-mail e aí começo o trabalho, que às vezes, é de escrita literária, mas quase sempre é o do ofício da professora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na parte da manhã sou mais cerebral. É quando elaboro, crio, reviso. Para a escrita literária prefiro a noite. À noite estou sempre mais sensível. Se houver lua cheia, aí pronto! À tarde, não me vem inspiração nenhuma. Reservo esse período para as tarefas que não demandam criatividade nem raciocínio. Ritual? Se possível, ponho um jazz de fundo, acendo um incenso, nada mais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nenhuma meta. Como a minha profissão professora me toma quase todo o tempo, a escrita literária só ocorre nas horas em que as ideias surgem e pedem pelo amor de Deus pra que eu as ponha no papel, tudo muito rapidamente para que não se percam. “Depois você nos revisa”, elas dizem. Nunca sento no computador e penso: agora vou um escrever um conto, um poema. Nunca é assim. Às vezes, estou no meio de um outro tipo de trabalho, e a poesia me interrompe, pede alguns minutinhos e aí surge alguma coisa. Às vezes, nos fins de semana, nos momentos de folga, aí sim, eu começo a pensar na vida e os pensamentos vão se organizando até reclamarem seu registro. Às vezes surge o projeto de um livro, já com título, começo, meio e fim. Tudo começa pelo sonho, vai sendo gestado na mente, aí, conforme posso, vou realizando aos poucos. Confesso que a falta de tempo para uma execução sem grandes interrupções atrapalha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca fiz pesquisa para escrever. O dia a dia é um vasto campo experimental. Daí saem minhas hipóteses e teses. Mas tenho um romance amadurecendo na cabeça. Aí sim vou precisar de pesquisa, porque envolve conhecimentos de história e de economia. Meu projeto de aposentadoria, talvez.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca trabalhei num projeto longo. Como já disse, ainda não sou escritora por profissão. De um modo geral, até para a escrita acadêmica nunca senti muitas travas. Desde pequena tenho familiaridade com a escrita. Hoje, quando vou para o computador, é porque a coisa na minha cabeça já está por arrebentar. Então flui. Eu já fui mais preocupada, não exatamente com corresponder a expectativas, porque sou uma escritora quase desconhecida, então nem acho que haja expectativas sobre minha literatura. Contudo, me preocupo em não desagradar o leitor nem com lugares-comuns, nem com textos herméticos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante. Já mostrei para muitas pessoas, várias vezes. Quando um tema requer certa especialidade, aí converso com algum amigo para ver se não estou cometendo alguma contradição, ou equívoco. Ultimamente quase não tenho mostrado, pois vou, por minha conta, esgotando as revisões. Sou uma crítica terrível de mim mesma.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já escrevi à mão, já datilografei em máquina de escrever. Mas, depois do computador, esta maravilha, sempre nele. De um lado, a gente perde as primeiras versões para sempre. De outro, fica mais fácil de organizar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não, nenhum hábito. Minha criatividade vem de tantos lugares: de uma saudade, de um desejo, de uma indignação, de uma tristeza, de uma dor, de um texto comovente, de uma palavra que, de repente, salta na minha frente e diz: “você não havia reparado em mim, não?”
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou bastante coisa. Sempre quis escrever melhor, sempre tive humildade de mostrar meus textos a professores, a outros escritores e ouvir as críticas sinceras com muita consideração e gratidão. A sinceridade de um bom crítico faz a gente crescer. O elogio de um amigo que não entende do riscado, ou não quer nos desagradar, não ajuda em nada, só atrapalha. Alimenta uma vaidade que não se sustenta. Pretendo, futuramente, reeditar meus primeiros livros de poemas. Quero fazer uns pequenos consertos. Houve um tempo que até reneguei meu primeiro livro. Até ouvir uma entrevista do Saramago em que ele dizia que não ficava constrangido com seus primeiros escritos, porque foi o que ele pode fazer, naquela época, com as condições que teve, com a relativa maturidade. Aí eu pensei: é isso. É uma forma de admitir que não nascemos prontos, que tudo é processo, que o crescimento pede dedicação, esforço, experiência.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um romance na cabeça. Preciso estudar umas coisas, de economia e de história, pesquisar uns eventos obscuros. Eu sei que esse romance vai dar trabalho. Vou mexer numa ferida terrível. Mas a literatura para mim é compromisso com a formação de pessoas mais sensíveis, mais humanizadas, mais evoluídas para a cooperação e o amor. Sem conhecer as tramas das injustiças, as pessoas não despertarão suas consciências. Quero algo que cumpra minimamente esse propósito. Vou tentar, se conseguir, maravilha. Se não, tudo bem também. A cada dia tenho procurado ser menos ansiosa, mais simples e me livrar de qualquer pretensão. Que livro eu gostaria de ler e ainda não existe? Um livro que respondesse definitivamente a “quem somos, de onde viemos, para onde vamos.”