Marta Barbosa Stephens é jornalista, mestre em crítica literária pela PUC-SP, autora de Desamores da portuguesa (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou mãe de dois, o que significa que minhas manhãs são bem tumultuadas e quase nada centradas em mim. Não consigo escrever cedo. Acordo em função dos pequenos e sigo ocupada com eles pelas primeiras horas do dia. Quando muito, consigo ler o jornal no café da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Produzo melhor à tarde e à noite. No final do dia é quando me sinto mais produtiva. Adoro escrever no silêncio da noite. Meu ritual consiste em virar a chavinha mental de mãe/jornalista para escritora de ficção. Normalmente, passo o dia traçando planos para as personagens e quando, enfim, posso me dedicar à escrita, retomo as pequenas anotações que fiz.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias porque fico muito frustrada em não as cumprir. Tenho períodos em que posso me concentrar mais ou menos – agora, por exemplo, estamos em férias de verão na Europa, as crianças ficam sem escola por sete semanas, ou seja, meu tempo de produção fica bem reduzido. Mas tento trabalhar ao menos cinco dias por semana, mesmo que seja relendo o que já escrevi ou fazendo pesquisa.
O que me move mesmo é a obsessão. Fico absolutamente obcecada pela história e personagens. Aconteceu isso enquanto escrevia meu primeiro livro de contos (Voo luminoso de alma sonhadora), aconteceu com meu primeiro romance (Desamores da portuguesa) e está acontecendo agora, quando estou na fase final de mais um romance (cujo título provisório é “As viúvas passam bem”). Não é raro me ver trocando fralda ou olhando meu filho brincar no parquinho com a cabeça em outro plano. Imagino que se eu pudesse dedicaria muito mais horas do dia à escrita. Mas a vida real é outra coisa. Além de tudo, preciso trabalhar para pagar as contas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pesquisa e escrita seguem paralelos no meu processo. Começar não é difícil. Complicado é dar por terminado um trabalho. Às vezes, preciso parar tudo para ler algo que me inspire. Aí volto aos clássicos – Machado de Assis, Clarice Lispector, Osman Lins e Guimarães Rosa são alguns dos autores que sempre me ajudam. Cinema e artes visuais também me ajudam nesse processo. Uma tarde na National Gallery, em Londres, pode render algumas páginas de um romance.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A caminho do meu terceiro livro, uma coisa já aprendi: não penso em quem vai ler o que escrevo. Lá no começo, um episódio me marcou muito: estava avançando bem em um texto quando me veio à mente a imagem da minha mãe e um olhar de desaprovação dela. Achei que ela odiaria aquela história. E pronto. Travei. Não consegui escrever mais uma linha sequer. Esse texto continua inacabado – e até acho que tinha futuro. Então simplesmente não penso no meu leitor.
O que é bem diferente do jornalismo, minha outra profissão. Quando escrevo uma reportagem, só penso no leitor – o que ele precisa saber, como, quando, aquelas perguntas básicas do velho e meio fora de moda jornalismo. Com a literatura, eu não posso me importar com isso. Eu já sou uma leitora bem crítica de mim mesma.
Já para a procrastinação não tenho remédio. Ainda mais se as crianças estão brincando no jardim, se o marido me chama para uma taça de vinho. Sou preguiçosa por essência. Luto contra, mas não muito. Adoro não fazer nada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Desamores da portuguesa (Imã Editorial) ficou um ano sendo relido e modificado por mim. Esse processo só acabou quando o editor disse que era hora de imprimir – e antes da primeira reimpressão, fiz mais mudanças. É um processo sem fim. E sim, também gosto de ouvir alguns amigos de bom-senso e olhar apurado. Desamores teve três ou quatro primeiros leitores, que me encorajaram muito a seguir.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ultimamente, tenho gravado mensagens de áudio no celular enquanto empurro o carrinho do bebê ou na fila do supermercado. É uma forma de me assegurar que as ideias não me escapem. Também posso escrever na agenda uma linha ou outra, mas meu trabalho é mesmo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler, ir ao cinema, ver exposições, tudo isso ajuda, mas não faço para me manter criativa. Faço por prazer. O que eu adoro mesmo é observar e ouvir as pessoas. Essa sim é a minha grande inspiração. Não sou muito de falar de mim, mas sou um ótimo par de ouvidos. E as pessoas parecem cada dia mais carentes de serem ouvidas, não é? Quando encontro alguém disposta a falar da vida, sinto que ganhei na loteria. E aí talvez sobressaia meu lado jornalista – honestamente, eu sei fazer perguntas e encaminhar uma conversa. Depois tem a memória, a imaginação, e a pesquisa para completar o círculo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Antes de lançar meu primeiro livro, sofria com o medo da irrelevância. Não sabia se o que eu tinha a dizer era importante ou interessante para alguém. Esse medo passou. Agora me sinto segura sobre o meu projeto literário, ainda que consciente do longo caminho a percorrer.
Há muitos livros que gostaria de ler e que talvez até já existam, apenas não os conheço. Ando meio obcecada com a vida na floresta, com a brutalidade da vida selvagem versus homem moderno. Provavelmente, esse será o tema do meu próximo projeto, mas por enquanto é só uma ideia.