Marli Walker é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa com uma caminhada no parque. Às vezes uma corrida. Café e atividades que envolvem leituras e preparação de aulas, sou professora. Há também afazeres com pesquisa, grupo de estudo, diários, formulários burocráticos. Não dá pra desligar durante o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A rotina matinal envolve preparo ou aula propriamente dita. Nada que leve para a escrita ou para exercício criativo. Já li depoimentos de outros escritores/poetas e me senti o patinho feio, pois não acordo um segundo mais cedo para me dedicar ao exercício da escrita. Entretanto, considero a caminhada matinal e todas as atividades que faço no decorrer do dia carregadas de poesia. Hora ou outra, paro para anotar um verso ou mesmo um pequeno poema. Mas é raro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A noite é meu tempo de escrita. Música e vinho auxiliam na liberação do verbo. Mas não há um método ou cobrança de qualquer espécie. Nunca escrevi nada assim, em forma de projeto, com regras fixas ou cronograma. Nunca pensei: vou escrever sobre isso ou aquilo. E também não penso em conjunto temático para um determinado livro. Aconteceu em certa medida com “Apesar do amor”. Esse livro tem poucos poemas e a temática é praticamente única. Depois de escrito, vi que se tratava de algo que precisava dizer. Sinto que esgotei, pelo menos temporariamente, o assunto. Isso me alivia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Essa pergunta é ótima (risos). Sou preguiçosa. Pode parecer contraditório, porque trabalho pra caramba, mas para escrever é diferente. Postergo até não poder mais, até não aguentar a pressão. Só quando a angústia se instala é que cedo ao apelo e inicio o tal ritual com música e vinho. Acho que já estou respondendo, em parte, a pergunta número 5. Não vivo da escrita, quero dizer, não sobrevivo. Vivo do meu trabalho como docente/40 horas. Então a escrita é prazer e alívio no grau máximo que consigo elevar em função do período de resistência. É um movimento íntimo, sem alarmes externos. Sem intromissão na vida prática. Já aprendi a administrar e gosto do jogo interno que se instaura. Hoje eu sei quando a poesia ronda. Reconheço quando a noite chega encorpando o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou minha maior crítica, talvez ou provavelmente em função da carreira acadêmica. Quando você já leu tudo e todos, quando transita pelas teorias e concepções, não há como passar adiante sem cravar o olho e a razão no texto fresco mil vezes ou mais. É doloroso, mil vezes ou mais. Ainda não desenvolvi projetos longos. Penso em escrever um romance. Está todo pensado (risos novamente), estou definindo a forma e a personagem condutora de todas as ações. Como é com a poesia, também aqui estou postergando. Não há preocupação com expectativas exteriores, como não houve com os livros de poemas. É um processo íntimo que deve satisfazer e emocionar a mim. Talvez escreva pra mim. Talvez seja terapia das mais cruéis, não sei bem. Sei que dói. Mas sei também que cura e a cura é libertadora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito. Há sempre arquivos em processo de revisão. Mesmo os considerados prontos passam por um novo crivo de tempos em tempos. Algumas vezes sinto necessidade de mostrar um poema, que eu considero bom, para alguém. Tenho dois ou três leitores cobaias (mais risos) que são gentis em ler e comentar. Quando acontece, eles sabem que estou criando e generosamente saciam minha ansiedade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Somente os primeiros poemas escrevi à mão. Quando os digitei, passei a gostar do mecanismo “deletar” e nunca mais anotei nada em papel. É mais fácil deletar um verso ou um poema inteiro. Com o bloco de notas do celular, ficou fácil e rápido salvar uma ideia, um verso, uma palavra. Mesmo em reunião ou parada no trânsito é possível fazer isso. Já saí da missa para anotar um verso que me ocorreu em função de uma frase ouvida na homilia. Lembro de ter escrito um ou dois poemas no bloco de notas do celular quando já estava deitada, naquela fase que ainda fingimos o sono.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para manter a criatividade?
O período é sempre o noturno. Ouço minhas músicas e bebo vinho, sempre tinto seco. Eu vivencio como um ritual. Um encontro comigo. É quando digo: deixa fluir, Marli. Baixe as armas. Você está protegida agora. Está sozinha e isso é bom. O mundo dorme. Já cheguei a pensar que deveria ser mais disciplinada, escrever mais. Pelo menos um poeminho por dia. Não consigo. Não funciono assim. Talvez por isso tenha adiado a escritura do romance. Penso em pequenos capítulos, uma lauda no máximo. Assim poderia me organizar para desenvolver o processo. Talvez…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria para fazer tudo exatamente como foi feito. Não mudaria meio verso. Não mudaria o método, que é o não-método. Eu diria pra mim mesma: quando sentir a poesia vindo, resista um pouco, pra encorpar, e depois deixa rolar. Acho que há poemas não tão bons, mas são parte de um parto, são meus. Não excluiria nada do período inicial. Não houve mudança no processo. Continuo postergando ao máximo, tensionando, para depois escrever tudo em períodos bem curtos e intensos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
As duas coisas são uma só, pra mim. Tenho em mente a escrita de um romance e o romance todo em mente. Só falta disciplina para escrevê-lo (risos). É esse livro que eu gostaria de ler. Talvez ele seja escrito…