Mário Viana é dramaturgo, roteirista e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou bem matutino. Acordo diariamente às 6h30 e vou pra ACM (Associação Cristã de Moços) fazer minhas ginásticas. Qualquer compromisso pra mim, só depois das 10 horas. Nos dias ideais, as manhãs são minhas – ginástica, médico, mercado, feira, tudo que puder, faço pela manhã. Mas quando dá 11 horas, o computador já está ligado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu período produtivo atinge seu auge à tarde. Engato às 11 horas, passo as redes sociais em revista, pago contas, etc. E começo a mexer nos projetos em que estou envolvido. Às vezes, é uma peça, outras, é um capítulo de novela ou episódio de série. Nem sempre produzo muito – a não ser compromissos com data de entrega. Mas sempre deixo o computador pronto, fico burilando as ideias, gestando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho que escrever pelo menos um parágrafo. Não consigo manter metas, a não ser datas que fixo na cabeça e que me servem de baliza. Sou formado em Jornalismo, mais de 20 anos em redações, acostumei-me à exigência dos prazos. O importante é ligar o computador todo dia, todo dia, de segunda a segunda. Esperar o chamado das musas é inútil. Não existe inspiração, existe mexer na massa da imaginação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ainda sou muito jornalista. Preciso de pesquisa, preciso estudar o assunto sobre o que escrevo, não me jogo de cabeça. Costumo dizer que minha imaginação depende dos dados de realidade que descubro. Invejo os que dão corda à criação e só depois ligam-se à realidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinar é um verbo muito ruim, inclusive de escrever e falar. E é pior ainda como a praga que acomete todo escritor. Tem quem diga que é uma sacanagem das musas, que fazem de um tudo pra distrair o coitado carecido de estar concentrado. Sair de foco é um perigo, ao qual estamos todos submetidos.
Ao mesmo tempo, por contradição, gosto de fugir dos temas sobre os quais estou escrevendo. Se estou trabalhando num musical, na hora da folga pego um romance policial ou assisto uma série de suspense. Quando estou escrevendo uma peça, evito ao máximo ler peças alheias, mesmo os clássicos. Mas é importante manter o foco, por mais difícil que seja.
Agora, uma coisa é certa. Quando preciso relaxar mesmo, abro um livro de ficção. Romance ou policial, de preferência. Eventualmente, me apego às revistas de palavras cruzadas, um santo exercício.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos têm uma vida própria. Depois de escrever a primeira versão, coloco numa “gaveta” e deixo esfriar. Tem vezes que esse processo dura dias, outras vezes meses. É óbvio que falo de projetos sem compromisso. Novela, série e crônica têm data fixa, ninguém fica à espera da inspiração baixar. Mas quando é uma peça autoral, que você precisa trabalhar no texto, aí a coisa demora. É isso mesmo que eu quero desta cena? O que esse personagem está dizendo de verdade? O que ele pensa e que não está – nem deve estar – no que ele fala? Você vai conhecendo seus “filhos” aos poucos.
Só mostro o que estou escrevendo para poucos e, mesmo assim, depois de ter uma primeira versão pronta. Mostrar no meio do processo compromete demais, pode poluir o conceito. Uma vez li sobre um animal, não sei se onça ou leitoa, sei lá. Se um humano tocar no filhote, a mãe passa a rejeitar a cria, que ficou com um cheiro diferente. Com o texto em processo, é a mesma coisa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro tecnologia. Desde que descobri o prazer de escrever à máquina (sim, eu fiz curso de datilografia nos anos 70) decidi que escrever à mão era um atraso de vida. Talvez por ser canhoto, escrever à mão é fisicamente doloroso e esteticamente tenebroso, minha letra é pior que letra de médico. Quando autografo livros, escrevo em letra de forma, pras pessoas poderem entender.
Não faço rascunhos manuscritos. No máximo, anoto coisas que ouvi na rua – mas até nisso os smartphones ajudam, com seu app de notas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ah, seria uma maravilha se existisse um formulário para criação de ideias. Não existe. Ideias nascem, surgem, um ponto minúsculo que se espeta no cérebro da gente e que, muitas vezes, só vai frutificar depois de muito tempo. É preciso estar atento, quem cria – escrevendo, desenhando, pintando – é uma antena captadora de inspiração. É a única fase em que a musa apita, injetar o vírus da ideia. Uma vez que pegou, aí é trabalhar, trabalhar, trabalhar.
A primeira ideia é sempre sensacional, mas é também quase obrigatoriamente descartável. “ Um homem entra em casa e dá um tiro em alguém”. Puxa, que ideia ótima. Sim, mas e daí? O que acontece em seguida? Até onde vai a história?
Aplicar o “e daí?” é fundamental. Sempre.
Como sou adepto do estilo realista, de diálogos possíveis e não metafóricos, ando sempre atento ao que ouço nas ruas. Fone de ouvido, só pra academia de ginástica. A voz das ruas, às vezes, nos entrega de bandeja cenas e situações lindas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando você passa a viver do que escreve, quando suas contas são pagas à medida em que saem textos de seu computador, a sua relação com a escrita muda. Ganha em profissionalismo e arrisca-se a perder em espontaneidade. O lado bom é aprender a técnica da escrita, não depender só da coitada da musa.
Escrever é exercício, sim. Forçar o cérebro a se movimentar em vários sentidos é excelente. E, acima de tudo, saber escapar de fórmulas que deram certo. O bom resultado de um texto específico nem sempre acontece em outro, apesar de você ter feito tudo igual. Ou justamente por você ter feito tudo da mesma maneira. Escrever não é uma jogada ensaiada, tem sempre seu lado de imponderável.
Ao mesmo tempo, não se pode deixar escapar a emoção. Para isso, não tem fórmula, só prática. Estar atento ao ritmo da frase, de cada palavra, ao som que elas fazem em grupo. “Ouvir” o que se escreve é ótimo treino.
O principal conselho que eu daria ao meu eu jovem escritor seria “Se joga! Mas não esquece o paraquedas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho tantos projetos, mas tantos. Minha cabeça parece aquelas incubadoras geladas de laboratório de reprodução assistida, cheia de vasilhas geladas e esfumaçadas. Algumas, sei disso, vão acontecer mais cedo ou mais tarde. Outras… lamento.
Quando aos livros, tem sempre um clássico essencial que ainda não li. Sempre.