Mario Rui Feliciani é fotógrafo e contista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina matinal. Depois de realizar poucas tarefas, tento soltar o espírito. Geralmente saio de carro, sem destino, para fotografar – sou fotógrafo também – e pensar, sem qualquer projeto. No meio das fotos por vezes alguma ideia para texto aparece. Minha foto e meu texto são íntimos um do outro. O importante é se prover de certo ócio.
Às vezes o nascimento da narrativa vem da memória. Um fato do passado, uma pessoa da minha convivência que se afastou, de repente provoca uma história. Não sou memorialista, embora não que menospreze o memorialismo, mas por vezes o gancho da ficção vem da realidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco quase todos os dias. Não tenho meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita para mim é um impulso. Como realizo contos curtos, geralmente já os escrevo inteiros, de uma vez. Sei como começa, mas não tenho controle para onde o conto vai. Esse é o grande barato da escrita para mim. Chegar a um fim de história “que nem é meu”. Como um pintor que não projeta, levado pelo pincel sujo: tem até uma ideia, mas não um esboço em carvão antes da tinta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não penso muito nas expectativas dos outros. É verdade que depois de publicado gosto muito de ouvir como cada leitor foi pego, mas previamente o processo é só meu. Sobre minhas próprias expectativas, confesso que não sofro para escrever. Geralmente gosto do que escrevo e submeto o texto ao “teste da pasta”: deixo a narrativa dormindo um bom tempo antes de retomá-la.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito. Corto muito. Imprimo e leio em papel, marco, corrijo e imprimo de novo. E tudo de novo. E mais uma vez. Tenho mostrado para uma pessoa, mas não aceito muitas propostas de alteração. Presto mais a atenção em reclamações como “não entendi muito bem isso aqui” e, às vezes, esclareço um pouco melhor o trecho. Meu texto é curto, sintético, e, não raro, isso o torna de não muito fácil compreensão, o que considero um defeito a corrigir.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou muito bom de informática, pois já trabalhei muito na área. Os textos técnicos e relatórios escrevo diretamente no computador. Textos literários escrevo à mão, com boa caneta – tinteiro ou ponta porosa de qualidade. O “jogo de armar”, a possibilidade de mover partes, não considero método adequado para a criação literária. Depois de escrito, em páginas sem pauta, linhas bem separadas, passo para o computador já no formato que terá o livro – geralmente faço a diagramação dos meus livros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da sorte. Sorte que espero continuar tendo. A primeira faísca abre a porteira pra fuga do meu rebanho de ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha escrita ficou mais coloquial. Diria que perdi adjetivos, pronomes e conjunções ao longo dos anos. E não os tenho procurado reaver.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não cabe projeto na minha proposta literária até este momento. Ainda não trabalho com projeto. Um projeto natural do contista seria enfrentar o romance, mas essa mosca ainda não me picou. Admiro o conto. Não me impressionam relatos de muitos personagens. Costumo brincar que, se uma história tem quatro personagens, já não sei quem é marido de quem. Também não me impressiona a trama. Apesar de gostar da surpresa do texto, de abominar spoilers em resenhas literárias, de pensar que a ordem do relato é um dos principais truques do escritor, meus textos são muito enxutos. Demais até. Talvez daqui a alguns anos, quando responder de novo a este questionário, eu me recomende: “mario, estenda mais esse texto, as pessoas não são atentas nos textos curtos! frases curtas demais podem facilmente ser perdidas pelo leitor”.