Marina Rabelo é poeta, autora de “das coisas que larguei na calçada” (2016) e “Stela e outros poemas de amor” (2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente, minha rotina está no estilo “alguma coisa está fora da ordem“, não estou conseguindo manter nenhum ritual matinal desde que começou este período de pandemia. Por causa destes tempos difíceis, tive que abandonar minhas aulas presenciais de pilates que me ajudavam a acordar o corpo pela manhã. Então, por agora, meu início de dia está bastante irregular, ora com momentos de intensas atividades cotidianas dentro de casa ora com um cansaço do corpo e da mente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre gosto de escrever pelo período da noite. Gosto das palavras em volta dos silêncios das madrugadas. É a hora que elas fazem barulho dentro de mim. Meu ritual é pegar uma caneta e papel ou o bloco de notas no celular e trabalhar os versos que estão martelando na cabeça.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita diária, até queria exercer mais esta disciplina, mas acho que sou uma escritora muito intuitiva. Eu abraço os momentos que me inspiram e escrevo. E isto nem sempre acontece todos os dias, já passei por alguns longos hiatos criativos de não ter nada a dizer. Geralmente quando um novo projeto está por vir, antes mesmo de saber direito se ele será propriamente realizado, como por exemplo, a escrita para uma peça de teatro ou para um livro novo, eu vivo períodos concentrados trabalhando na escrita. No meu novo livro que estou prestes a lançar, Stela e outros poemas de amor, eu criei um capítulo sobre memórias afetivas da relação com a minha avó materna e estes poemas eu os escrevi em torno de 15 noites. Claro que há anos eu imaginava estes poemas na minha cabeça, nesta pequena homenagem, mas a parte laboral do processo veio neste curto período de tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É difícil começar, pois eu tenho uma tendência em ser procrastinadora. Mas isto também depende do texto que estou me propondo a escrever. Eu gosto muito dos poemas curtos, então, este processo geralmente é mais rápido. A inspiração traz uma fagulha, um caminho interessante e logo preciso escrevê-la para não me perder no tempo das distrações. Quando escrevo textos para teatro, eu me deixo mergulhar na história que vamos contar. Há uma pesquisa, um envolvimento na atmosfera da peça e depois vem o exercício da escrita em si.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que a procrastinação é a minha maior dificuldade, realmente. No resto eu tento ficar tranquila, como em algum período de hiato criativo. A cabeça, claro, sempre cobra que sejamos produtivos, mas tento não perder a ternura com o tempo das coisas. Gosto que a escrita seja algo que me dê prazer. Sobre corresponder às expectativas e a ansiedade são sentimentos que sempre perpassam por mim, mas tento lidar com estas questões sem entrar em pânico.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos algumas vezes até definir como prontos. Se for um poema, eu o leio várias vezes no dia, por 2 ou 3 dias seguidos. Até achar que o poema se fez. Depois disso é muito difícil que eu volte nele novamente. Mostro para amigos próximos, amigos poetas. Mostro para os meus pais. Minha mãe sempre com um olhar mais acolhedor e meu pai mais questionador trazendo muitas vezes outras interpretações. Gosto sempre de ouvi-los.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho mais dificuldade em escrever no computador. Nem sempre se está numa posição confortável e as ideias travam. Gosto de escrever à mão muitas vezes e no bloco de notas do celular – que está sempre à mão. Tenho uma boa relação com a tecnologia, embora ainda não tenha aderido aos leitores digitais. Prefiro um bom livro físico com seus cheiros e suas texturas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de minhas observações e minhas vivências cotidianas. Dos sentimentos que carrego dentro de mim. Do ser mulher, nordestina, longe das grandes metrópoles e de grandes oportunidades. Mas sempre atenta ao novo, à arte, de maneira geral. Aos novos escritores, aos novos filmes, novos artistas. Gosto de estar atenta e isto é alimento diário para não só me manter criativa, mas me manter viva. Durante a pandemia, em 2020, realizei pequenos “mini projetos” no meu perfil do Instagram, como uma série de vídeos-poemas e uma série de colagens com escritoras que eu admiro (esta, ainda em construção). Estes momentos foram muito importantes pra mim como um meio de estar ainda lidando com o meu lado lúdico e criativo em tempos muitas vezes tão inquietos e ásperos e desesperançados, citando Clarice.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou no sentido de amadurecimento. Não só no fazer literário e poético, mas na maneira de enxergar meu trabalho. E de afirmar que é um trabalho. Um trabalho que exige tempo, esforço, a transpiração que sempre se fala, de valorização e reconhecimento como tal. Acho que eu diria “continue escrevendo, leia bastante e nunca abandone a poesia”. Em algum momento da vida, falhei nestes quesitos, menos com a poesia, que vive sempre comigo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um trabalho em prosa. Algo mais longo, talvez um livro de contos. Quem sabe do futuro? Gostaria de ler um livro do meu pai. Ele tem uma sensibilidade para a escrita, sempre foi um leitor curioso e gostaria muito de vê-lo motivado a realizar este (meu) sonho.