Marilia Arnaud é escritora, autora de Suíte de Silêncios e Liturgia do Fim.
Trabalho fazendo análise de processos trabalhistas e redigindo minutas de sentenças, o que me toma grande parte do dia. Então, escrevo quando é possível. Não existe nenhum ritual para tanto. Quando muito, um café ou um chá para começar. E silêncio. Verdade que, mesmo quando não estou diante do computador, digitando, estou escrevendo mentalmente. Dessa forma, posso afirmar que escrevo o tempo inteiro. Quando estou produzindo algo, como agora, tudo se transforma em literatura. O que ouço, o que vejo, o que leio, situações que vivo, tudo é matéria a ser processada em minha mente literariamente obsessiva. Às vezes, faço anotações em “notas” do celular. No momento estou escrevendo o meu terceiro romance e agora, em agosto, vou tirar um mês de licença sem vencimentos para adiantá-lo. Comecei a escrevê-lo há mais de um ano, durante uma residência para escritores em Marnay sur Seine, na França. Foi um período de muita produção, pois, num lugarejo de 250 habitantes, tudo o que eu tinha para fazer era escrever, escrever, escrever. Quando escrevo, escrevo tão somente para mim mesma. Não penso no leitor nem tenho objetivos, tampouco metas. Costumo dizer que a criação literária é o espaço do imprevisível. Não há nada mais misterioso do que o processo criativo. Naturalmente, ao iniciar um conto ou um romance, já o tenho mais ou menos definido na cabeça. Porém, no ato da escrita, as coisas vão se arrumando de outra forma, e os personagens, feito filhos rebeldes, vão tomando rumos não previstos, como se a história se escrevesse. Isso é real. Chamo esse fenômeno de “o sopro da criação”. Normalmente só mostro a alguém o texto em que estou trabalhando, quando acredito que ele está quase pronto. Leio e releio muitas vezes antes de entregá-lo a quem quer que seja, em voz alta, para sentir o ritmo, momento em que vou eliminando os excessos, desornamentando a frase. Na verdade, nunca fico inteiramente satisfeita com o meu texto. E só quando ele está prestes a ser publicado é que me livro do vício de reescrevê-lo.
A coisa que mais me motiva é o texto alheio. As leituras são a minha fonte de criatividade. Cada vez que leio algo bom, sinto vontade de escrever. Não dá para ser escritor sem leituras. Não acredito em “gênios”, nos que se dizem nascido escritores. Fazer literatura exige muito. Tempo, solidão, a total entrega do autor.