Mariella Augusta Pereira é escritora, autora de O fio de Cloto.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Falando com meu pai ao telefone, e depois com meu parceiro de trabalho, o compositor erudito Flávio Villar Fernandes, sobre como nós vamos estabelecer o Quinto Império. Não tenho nenhuma rotina além dessa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto da tarde. Não tenho nenhum ritual. Digamos que não sou uma atriz do Stanislavisky. Ah, talvez importe dizer que eu fumo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias, apesar de acreditar no conselho de Plínio, o velho, “nulla dies sine linea” (“nenhum dia sem nenhuma linha”).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nem na ficção nem na escrita acadêmica eu tenho problemas em começar. No caso do trabalho acadêmico, eu parto da memória para a investigação, e da investigação para a escrita. Investigo enquanto escrevo porque acredito que enquanto se escreve se aprende muito. A escrita é uma das melhores formas de aprendizado, tanto quanto a leitura, talvez mais que a leitura. Tanto acredito nisso, que gosto de dar aulas para pessoas que querem aprender a escrever.
Já o trabalho ficcional sempre fiz de uma maneira retórica, sem saber que assim fazia, porque penso, junto com Aristóteles e Nietzsche, que a retórica é natural ao homem. Eu descobri depois com o estudo que minha prática era retórica; só me encontro na retórica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando eu travo sinto enjoo, passo mal. Então paro de escrever e volto à escrita quando destravo. Mas isso acontece apenas nos trabalhos acadêmicos, na ficção isso não acontece, mas acontece outra coisa: o que me causa depressão mesmo é a ausência de leitores. Penso que não dá para negar que a literatura é a mais elitista das artes, e talvez por conta de uma cultura decadente e uma educação deplorável, lê-se muito pouco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meia vez, o que é um erro. Eu sempre mostro meu trabalho ficcional para meu pai e meu marido, necessariamente, esses eu os obrigo; e também mostro para quem quiser ver. Já o trabalho acadêmico, desde a concepção do problema, eu mostro e procuro o juízo do meu amigo Nahim, um grande erudito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu uso o computador sempre.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da memória, de alguns fatos da vida (uma notícia, um caso contado por um amigo etc.), ou da mitologia de meu pai. Não tenho nenhum hábito para manter a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu passei a desejar a comunicação total; mas isso não aconteceu ainda. Não tenho vontade de voltar aos meus primeiros textos, não gosto do passado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu queria escrever um romance de meu tempo. Mas não sei se farei… Tomara que um romancista faça, pois sou sobretudo contista. Às vezes sinto essa vontade de fazer um romance. Como a coisa mais bonita que existe é poesia, talvez eu gostasse de fazer poesia, mas isso não é um projeto, está fora de cogitação.
Não penso que falte um livro, todos os livros já existem. O que falta é tempo para os ler. Eu gostaria na verdade de virar mil pessoas com mil temperamentos, para ler todos os livros.