Mariana Rolier é editora na Storytel e professora do MBA de Book Publishing na LabPub.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Da pior forma possível. Eu não sei acordar, então passo muito tempo da minha manhã tentando. Entre o despertar e levantar levo muito tempo. Depois me arrasto para fora da cama e passo por um período automático. Não processo conversas, desejos de “bom dia”, notícias. Então acabo criando uma rotina para acordar bem mais cedo que me permita ter este tempo. Também é neste limbo da manhã que faço algumas coisas automáticas, como fazer café, escovar os dentes, coisas que não preciso pensar. Levo pelo menos uma hora assim. Quando finalmente posso me julgar desperta, tomo banho e me preparo para trabalhar ou tocar a rotina do dia. Não sou uma pessoa da manhã. E, aos 39 anos, duvido que eu mude.
Antes da pandemia eu estava fazendo ioga alinhada com uma alimentação melhor que reduziram este período da manhã, mas como eu digo, vamos combater uma coisa por vez e, neste momento, priorizo o equilíbrio de estar em casa durante a quarentena.
Eu sou uma pessoa noturna e minhas ideias chegam sempre naqueles minutos antes de dormir. Então, pela manhã eu sempre tento recuperar tudo o que veio à mente na noite anterior para começar a produzir. Acho que esta é uma herança da época da faculdade, eu acordava às quatro da manhã para trabalhar, ia direto para a universidade e chegava em casa entre meia-noite e uma da manhã. Era o tempo que eu tinha para mim, e assim é até hoje.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever entre o fim da manhã e início da tarde. Veja, sou editora de livros, e no meu trabalho, produzo uma carga reduzida de textos, que se concentram em sinopses, argumentos e defesas de livros e outros conteúdos porque a maior parte do meu trabalho é a edição, que consiste em aprimorar o texto do outro, e não a produção original de um texto. A edição me toma muito tempo, mas sinto que é um processo diferente da escrita. É como tecer e costurar, eu posso tecer, mas meu trabalho em tempo integral é a costura de um tecido que chega pronto, e cabe a mim aperfeiçoar, dar forma. É o que eu sei fazer. Editar não é escrever, ainda que você precise, e também não é revisar, que consiste em uma outra etapa. Editar é adequar um texto dentro de um formato, checar se está harmônico, balanceado, se as ideias e narrativas se completam, cortar excessos, preencher vazios. Editar é, sobretudo, se certificar que aquele texto terá, durante toda a sua leitura, o interesse do leitor.
Gosto de começar a editar a partir das onze da manhã, quando tive tempo suficiente para checar e-mails, cuidar de burocracias, fazer um checklist das pendências e organizar o dia. Assim fico tranquila que as coisas estão sob controle e posso me dedicar ao texto. E faço isso com quantidades descomunais de café.
Também gosto de fazer este trabalho com música. Me concentro relativamente fácil, mas preciso bloquear uma mente que é excessivamente controladora. A música me dá esta paz.
Fora o trabalho, gosto de escrever como hobby. Sempre escrevi, e de tempos em tempos me encontro cercada de uma pilha de ideias, poemas, textos soltos, contos, conversas. Gosto especialmente dos contos. São inspirados em reflexões, coisas que vi, pessoas que conheci. Durante a quarentena procurei escrever para fugir do mesmo ambiente e percebi resultados até melhores do que normalmente tenho. Faço isso não só pelo prazer, mas pela necessidade do exercício, para aperfeiçoar e entender os processos da escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu gosto de pensar que edito todos os dias, mas nem sempre eu tenho o tempo que preciso. E nem sempre as pessoas entendem que seu trabalho é solitário. Mas é um processo que faço pelo menos três vezes por semana, três ou quatro horas por dia. Muitas vezes sinto que não estou inspirada suficiente para me debruçar no trabalho, então eu revisito meus cadernos. Eles são meus objetos de apoio. Enquanto edito vou anotando processos, dúvidas e fontes para pesquisa neles. Portanto, nos dias que não me sinto incrivelmente disposta, começo por ali, que é uma fonte de ideias do que eu estou fazendo. E muito eficaz para retomar a inspiração.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu gosto de traçar um plano entre o ponto A e o ponto B, então é um processo bem metódico. Dificilmente eu escrevo sem uma estrutura prévia. Eu penso na história, então nos personagens, divisão de ideias por capítulos, as árias principais, onde a história chega no seu ápice e, sobretudo, gosto de pensar na transformação dos personagens. Pode ser um conto ou poesia, penso com muita calma no crescendo da história. É muito importante, para mim, criar no leitor uma sensação de ebulição. Em casa, uso um milhão de post-its e minha mesa lembra escritórios de filmes policiais, com fichas e papeis para todos os lados. Na Storytel, temos uma mesa compartilhada, então preciso me limitar aos meus cadernos e aplicativos de bagunça online.
Eu espero reunir toda a estrutura da história antes de começar, mas é fato que eu nunca sigo exatamente o processo que eu criei. Eu permito que a estrutura mude e faço isso muitas vezes. Acho que é um processo inerente. Uma vez que você está mergulhado na história é provável que você tenha mais clareza para escrever. Não tenho apego nenhum pelas ideias que iniciaram o processo da narrativa e não acho que alguém deveria ter.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sou de procrastinar, pelo contrário, sou muito crítica e exigente comigo mesma e preciso produzir. Gosto de passar um pouco dos limites para ter sobras para os dias de escassez, e fico doente se acho que não estou correspondendo às expectativas. Por isso trabalho muito, e quando me sinto particularmente criativa, levo estes momentos à exaustão. Mas eu não recomendaria isso para ninguém. Minha terapeuta diz que não é bom.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não gosto de reler meus textos. Então me esforço para reler uma única vez para acertar o enredo e logo em seguida repasso para alguém. Primeiro porque preciso do olhar do outro para validar, entender e aprimorar o processo, e acho que todo mundo deveria fazer o mesmo. E também entendo que não sou revisora e preciso deste especialista para me apoiar. Na minha vida de editora, recebi apenas dois manuscritos de autores que precisaram de poucos ajustes, mas a maioria é obra a ser lapidada. E tudo bem, é assim mesmo, e acho maravilhoso contar com profissionais que são especialistas nesta lapidação.
Por outro lado, jamais escrevo como uma catarse. Por isso crio estruturas para escrever.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo o texto base no computador, mas a estrutura, as ideias soltas, anotações, temas de pesquisa e enredos eu escrevo à mão em meus cadernos. Escrever à mão para mim é uma forma segura de decorar um texto. É muito fácil lembrar do que escrevi à lápis ou caneta, mas tenho dificuldades de lembrar o que digitei.
Minhas anotações também são cercadas de desenhos, rabiscos, setas, traços, anotações inúteis de borda. E eu não abriria mão desta parte.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todos os lugares. O editor é um captador e passamos muito tempo pensando que a inspiração vem diretamente do consumo de cultura, o que não é mentira, mas não se restringe aí. Às vezes vem de uma história que te contam, uma cena que você presenciou, uma frase solta. A cultura, quando não te inspira por si, te dá base para discernir se estas coisas todas do dia-a-dia valem também como inspiração.
Também sou boa ouvinte. Fico horas ouvindo as pessoas, mas ao mesmo tempo procuro em seus discursos ideias para trabalhar. E também busco em minha própria vida. Recentemente fechei com um autor um livro baseado em uma cena que vi na infância. Guardei esta história por trinta anos até que pude compartilhá-la com alguém que saberá o que fazer com ela.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antigamente me esforçava muito para parecer inteligente através dos textos e não percebia a importância das narrativas mais simples. Parte porque é o que se espera quando você está começando sua carreira, mas parte também porque eu queria ser aceita pelo círculo de editores. Mas logo percebi como todos nós escrevíamos sempre de forma parecida, excludente e arrogante. Não sou parte deste círculo, não venho de família de jornalistas ou herdei uma editora, não venho da classe média, então por que eu deveria produzir com o mesmo padrão? Me sinto muito feliz de sair deste estereótipo antes de me sentir envergonhada por ele.
Também me afastei de grupos. Tenho um olhar muito mais apurado trabalhando sozinha e sem influências diretas porque assim permito ter meu próprio tempo de reflexão. Não só para escrita e edição, mas para tudo na vida. Quando você trabalha em seu próprio tempo, tudo flui melhor. Este entendimento sobre o que você é e o que você faz torna as experiências inspiradoras e nunca intimidadoras.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quando penso nisso fico bastante ansiosa. Sempre olho para o futuro com animação, o que está por vir me emociona. Muitas vezes vejo uma ideia incrível ou leio um texto primoroso e logo penso que adoraria ter pensado nisso primeiro, mas o fato é que há um sem fim de ideias pela frente. Eu tenho ambições de multiverso e tenho ambições de promover histórias que se encaixem em qualquer formato. É o que ando pesquisando mais. Mas não espero uma história X ou Y, o que eu quero é o prazer de ler algo original. Que seja bom, entusiasmante, provocador, reflexivo e terrivelmente surpreendente.