Mariana Ianelli é escritora, autora de “O amor e depois”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Trabalho durante a madrugada, que é quando a escrita flui e minha filha (e as crianças da vizinhança) estão dormindo. Pode ser estimulante trabalhar em dois projetos ao mesmo tempo, não que eu prefira, mas gosto disso. A dedicação a um é o descanso do outro.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Depende do tipo de texto. No caso de um ensaio, é sim planejado, roteirizado, previsto parágrafo por parágrafo. Numa crônica, já a coisa pode acontecer ao sabor das associações do momento, o que, para uma crônica, é muito bom. No caso de um poema, é sempre uma surpresa o que virá, é mais um processo cumulativo, de anotações esparsas, às vezes versos soltos, que depois vão compor o mosaico do poema, ou então ocorre que um verso puxa outro, pela música, e assim vai chamando as palavras. Tenho certa obsessão em contar versos e esse número sim geralmente é planejado. Penso que o mais difícil seja a primeira frase de um texto, ou o primeiro verso de um poema, porque é o que chamará tudo o mais, é o que vem de um “antes” nebuloso, aquele incipt que temos de farejar como se estivéssemos vagamente distraídos.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Essa rotina, para mim, no caso de um livro de poesia, é mais uma fome. Tenho necessidade de estar ali, frequentando essa abertura que se dá quando os poemas vão se sucedendo e se amalgamando num livro. Essa abertura, para mim, é mesmo como um portal. Uma hora o portal se fecha e é quando o livro se fecha também. Claro que tudo flui sempre melhor com o silêncio e na mesa que me é familiar, pelo menos para mim, realmente, essas condições fazem toda a diferença.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
A procrastinação acontece para mim como um período de descanso mental, mas em geral não dura muito, porque, exceção feita à poesia, escrevo com prazo de entrega, por exemplo, crônicas aos sábados na Rubem e no Rascunho, de modo que o prazo, aí, é o melhor despertador da inércia. Quando não há prazo algum, como é para mim com a poesia, aí as coisas podem se complicar, porque um poema não se deixa apanhar só porque a gente quer. Quando o poema não flui, vou tomar um banho, fazer um café ou ler os poetas que eu amo, e tudo bem, porque cada poema tem seu tempo.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O livro que mais me deu trabalho talvez tenha sido o “Passagens”, que publiquei em 2003, com 23 para 24 anos. A primeira versão desse livro tinha outro título, era praticamente todo ele composto de um único longo poema em partes, uma espécie de releitura do livro de Jó. Na época, enviei esse manuscrito para a Nelly Novaes Coelho, crítica que sempre admirei muitíssimo, e ela recebeu entusiasmada o manuscrito. Acontece que fui mexendo nesses poemas, todo o livro foi se transformando, e aquilo que era anteriormente quase um poema-livro, converteu-se num poema inicial, sem quebras, ainda longo, mas incomparavelmente mais enxuto que na versão anterior. Alguma parte daquele conteúdo do poema original migrou para outros poemas. Foi como escrever um livro sobre outro.
O livro de que mais me orgulho é o “Almádena”, de 2007, que é feito apenas de doze poemas, todos eles longos, unidos pelo fio do “Sermão da Quarta-Feira de Cinzas” de Antônio Vieira. A escrita do poema que dá título ao livro, especialmente, é o texto de que mais me orgulho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Pensando na poesia, o que me interessa é o que morde a alma, sabe? Na crônica, idem. Acho que mantenho em mim a leitora de poesia que eu mesma sou.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação
Mostro para algumas poucas pessoas do meu convívio íntimo, três ou quatro, todos bons leitores e sinceríssimos. Mas geralmente mostro algo que me parece já terminado.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
A poesia tomou minha atenção quando eu tinha 16, 17 anos. Foi quando comecei a escrever. Aos 20 anos publiquei meu primeiro livro e desde então não parei mais. Não sei se gostaria de ter ouvido antes as coisas que fui descobrindo ao longo dessa jornada, ao menos na época em que comecei.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Eu diria que, fundamentalmente, para mim, a dificuldade em “como” dizer sempre passou pela dosagem de luz e sombra. Houve muitas autoras importantes, em diversos momentos da minha vida, mas a que me atravessou, e continua a me atravessar, assim, de maneira fulminante, foi a holandesa Etty Hillesum, que viveu durante a Segunda Guerra e escreveu um longo diário e várias cartas, hoje traduzidos ao português.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Os diários de Etty Hillesum, publicados recentemente no Brasil pela editora Âyiné, em nova tradução, sob o mesmo título da edição brasileira (já fora de catálogo) de 1984, “Uma vida interrompida”.