Mariana Godoy é poeta e atriz, autora de “O afogamento de Virginia Woolf” (2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O meu dia começa como começa o dia de grande parte dos brasileiros que não tem o privilégio de abdicar do uso do transporte público para o deslocamento, por vezes imenso, até os locais de trabalho e/ou estudo. Ou seja, a minha rotina matinal começa enfrentando o transporte público extremamente precarizado do nosso país.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Funciono melhor pela manhã, mas a escrita encontra um caminho no dia, um lugar no meio de tudo para se encaixar. A história da literatura está repleta de preparações, manias, métodos, superstições para todos os gostos. Não acredito em nada que não seja sentar e começar a escrever. O espaço criativo é tão precioso quanto ilusório.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias porque mantenho diários. Mas sento para escrever e reescrever os poemas em períodos concentrados, principalmente aos finais de semana. Não costumo ter metas, a menos que haja prazos de entrega.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita está o tempo todo vinculada à pesquisa e vice-versa, não consigo separá-las. O meu processo é sentar e escrever, reescrever, ler. Sobre compilar notas, às vezes, quando anoto alguma coisa, eu sei que é um poema imediatamente, outras vezes só mais tarde, quando retomo as anotações, percebo que há um poema no meio delas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Há dias em que descubro que não quero fazer nada e tento não me sentir culpada por isso. Se quero muito escrever, mas não consigo, faço alguns desenhos, aumento a leitura de poetas que admiro ou simplesmente paro de tentar. Desistir é um ato de coragem. Sobre a ansiedade de trabalhar em projetos longos, devo dizer que gosto muito desses projetos, é um trabalho de amor para mim, pois vim do teatro. No teatro a forma como você lida com o processo é mais valiosa do que o resultado final, então cuidar da construção de um livro, por exemplo, sem pressa para terminar, é algo que pode ser muito prazeroso. Sobre o medo de não corresponder às expectativas, veja, se penso nisso, não escrevo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O meu processo de revisão mudou muito. Quase não editei o Afogamento, principalmente porque não sabia como. Tudo era muito novo. Por mais que eu tenha mostrado os primeiros poemas à uma amiga escritora, hoje, olhando de uma certa distância, eu faria uma infinidade de ajustes no livro, mas tento não pensar muito nisso, porque foi bom tê-lo publicado, ter o objeto exposto. Agora, com os poemas atuais, tem sido cada vez mais difícil mostrar, às vezes compartilho com o meu companheiro, Ricardo Escudeiro (que também escreve), quando sinto que está pronto. É bom ter alguém para trocar e torturar, rsrs.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A literatura não depende do material, essa é uma das suas qualidades mais reveladoras. Não é como a arquitetura, por exemplo, em que precisa-se do material certo para a execução de determinadas tarefas. A escrita literária independe de materiais extremamentes específicos, como é o caso da arquitetura e das ações ligadas à arquitetura. Escrevo, quando a coisa é urgente, com o que encontro à mão. Mas em geral gosto de usar o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
É uma boa pergunta, nunca pensei nisso. Gosto de ouvir música, é algo que faço diariamente: sentar e ouvir música, apenas. Deve ser um hábito que me estimula, porque a música me acalma. Se você faz o que gosta, lê todos os dias, vê um filme ou sai para ir ao teatro, se está em contato com arte em geral, independente de qual seja a manifestação artística, a sua cabeça se alimenta, as ideias virão como consequência.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não escrevo poemas há tantos anos, então não sei se consigo responder como gostaria. Mas é claro que há mudanças, porque continuo escrevendo e, sobretudo, lendo. Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos diria: “Reescreva isso, mude aquilo”. É natural, não me culpo. É como uma peça de teatro, se você termina uma temporada em abril e volta com ela em outubro sem modificar nada no espetáculo, nada na personagem, um jeito de andar, um tom de voz, um olhar que seja, então algo está errado com você.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos que ainda não comecei não estão maduros o suficiente para serem divulgados.
Sobre livros que ainda não existem e que eu gostaria de ler, não sei, talvez tantos quanto eu consiga.