Mariam Pessah é ARTivista feminista e amante das letras, organizadora do Sarau das minas – Porto Alegre.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo lendo. Quando acordo, ainda na cama, olho o celular e em seguida já vou para um livro em papel. Não me acostumo com os digitais. Dedico algumas horas da manhã à leitura, muito provavelmente, ela me leve à escrita. Dependendo do que eu estiver escrevendo, ou não, nesse momento.
Também, as minhas leituras são orientadas. Se estou escrevendo algo definido e preciso pesquisar (certamente isso vai continuar ao longo do dia), vou escolher determinadas leituras, se estou escrevendo mais narrativa-ficção, escolho outras. Por isso tenho sempre, por todas partes, folhas de rascunho. Às vezes ando com um poema engasgado e preciso ler outros poemas para que ajudem ele a dar vazão. Ou, a mim, a encontrar o tom da escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Bem que eu queria ter um ritual, fazê-lo e dizer, Bom, agora sim sento a escrever. Mas eu sou muito dispersa. Por isso, o meu horário da manhã, depois de ter alimentado aos felinos, eu sei que ainda não vou lavar roupa, nem cortar a grama, nem ligar para me trazerem gás nem nenhum afazer domestico. Por isso é meu horário de maior concentração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como eu me graduei o ano passado em Escrita Criativa (na PUCRS) e um ano atrás também estava fazendo a oficina de Escrita com o Prof. Assis Brasil, então, eu tinha datas de entrega, em consequência, a forma de escrita era outra. Este ano não estou na Universidade nem participo de pesquisa; contudo, como tenho muitos anos no movimento feminista, às vezes me pedem textos para publicações. Agora, estou com uma novela-romance em andamento, mais outra escrita narrativa que comecei a escrever e não sei o formato que vai ter. Elas duas estão me acompanhando no cotidiano. Quer dizer, leio e penso com elas. Em simultâneo estou fechando meu livro de poemas que será lançado no mês de abril, então, não há como imaginar rotinas muito rígidas. Todavia, não sou daquelas que escreve 20 horas ao dia, mas que muita das coisas que faço levam a um pensamento de escrita. A gente escreve só quando redige ou também quando caminha, anda de bicicleta, conversa com alguém? Eu adoro quando tenho um projeto, como neste momento, e posso “sair da realidade” e correr às folhas escrever uma frase, uma página do que “me veio” na cabeça enquanto atravessava a rua, lia outro livro, ou conversava com alguém.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente eu faço junto. Vou conversando com xs autorxs, com as leituras. O que leio me leva ao que escrevo e o que escrevo me direciona ao que ler.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos.
Eu sei que escrevo devagar e que não sou criativa baixo pressão. Por isso trabalho com calendário e sou muito organizada quando tenho que entregar trabalhos, inclusive, traduções. O problema é quando nasce um projeto, até leva-lo a sério e dá-lhe forma e entidade… às vezes passo horas me sentindo mal comigo, a sensação de estar perdendo o tempo, de ser dispersa, até que “do nada” as coisas começam a se organizar e tomar forma. Respeito às expectativas, uma das coisas que faço é ir mostrando o que escrevo, fazer pequenos posts no facebook e ir vendo a receptividade que vai tendo. Quando o projeto tem mais forma, peço para outrxs escritorxs lerem o meu trabalho. Assim como eu faço com o de outras pessoas e nos vamos retroalimentando.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso muiiiittasss vezes o meu texto. Além do mais, até certo ponto, volto a ler desde o inicio para calibrar o tom da escrita no que venho trabalhando, então, chego a cansar de mim mesma. Já com os poemas é diferente. O livro no que estou trabalhando, Grito de mar, tem poemas desde 2015 para cá, embora daquela época tenham ficado poucos e os que ficaram mudaram muito (quantas revisões cabem em 4 anos? hahaha). Tenho poemas que não aguento mais ver, então, preciso muito de olhos e coração alheio para me ajudarem a enxergar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Geralmente os meus primeiros rascunhos são a mão. 90% das vezes. Depois, já vou para o computador e brigo comigo mesma, pois na hora de passar, nem sempre escrevo o que está no papel e faço algumas confusões.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Os poemas são beemm variados, embora tenha certos “temas”. Mas, podem ser desde coisas que estão (me)acontecendo, até coisas nada a ver comigo, porém, me toquem seja no pessoal, seja no coletivo, seja no literário. Já, as narrativas mais longas… é diferente. Muitas são coisas que estão em mim. Dizem que a gente escreve o mesmo livro ao longo da nossa vida. Me reconheço nesta f(r)ase. Minha escrita não é feminina, mas sempre há uma busca das mulheres procurando, cavando, visibilizando o seu espaço nesta sociedade patriarcal.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria para ler mais. O que mexeu muito comigo foram os estudos, mas também, a leitura. Quando a gente lê, vai aprendendo como xs outrxs autorxs vão resolvendo e criando situações. A observação é fundamental.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uns meses atrás, numa palestra, a escritora Maria Valeria Rezende falou uma frase que ficou na minha cabeça: Toda família tem alguém que um dia deixou o lar e nunca mais voltou. Essa frase se junta com uma personagem do livro Inventário das coisas ausentes, de Carola Saavedra que um dia foi embora e regressou depois de 14 anos. A gente fica sem saber por que ela viajou e por que ela decidiu regressar. Tudo isso me interessa. Têm vários livros ai já.