Maria Vitória é escritora e editora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A única coisa que eu faço sagradamente ao começar meu dia é ir pulando de rede em rede social para verificar as notificações que brotaram enquanto eu dormia. É um hábito meio nocivo, mas é uma rotina que eu tenho antes de levantar da cama há algum tempo.
Sempre depois de checar tudo eu paro para ler as notícias do mundo através das Newsletters em que sou cadastrada, essa é uma coisa que eu faço também sempre pelas manhãs, só me atualizo por e-mail primeiro ao invés de abrir algum site, revista ou portal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pelas manhãs com certeza. Já tentei escrever nos outros horários do dia, mas o que funciona melhor pra mim é de manhã.
Meu ritual depois de checar as notificações e me informar por e-mail é sempre ficar olhando a bagunça que minha esposa deixa no quarto antes de sair para trabalhar e depois que nos despedimos, sempre escancaro a janela e me sento em frente do computador.
Sempre começo abrindo o Spotify para ouvir algum episódio de podcast sobre empreendedorismo ou sociedade e cultura. Depois checo no Notion todas as tarefas que preciso desenvolver durante o dia e só depois desses passos começo a escrever primeiro textos para o Instagram, Linkedin e Blog. Exatamente nessa ordem.
Depois disso reservo um tempo para ler algo literário e escrevo um poema ou uma crônica que dificilmente são publicados em algum lugar, os guardo só para mim na intenção de dar um outro rumo a eles algum dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias como se fosse uma prece. Como vivo exclusivamente de escrita então meu trabalho é escrever, seja numa pegada literária ou não literária.
Passo em média 8h por dia de segunda a sexta escrevendo sobre os mais diferentes assuntos e tendo ao menos os finais de semana para planejar o que precisa ser escrito na semana seguinte, ou ficar de bobeira, pois o ato da escrita diária é uma coisa que exige muito da gente, seja fisicamente ou mentalmente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu como com farinha o processo de pesquisa para de fato escrever. Como atuo além de escritora, como redatora e produtora de conteúdo, pesquisar e escrever são o tipo de casal que nunca deve se separar.
Da hora em que acordo ao momento que vou dormir estou mergulhando em conteúdos alheios, pesquisando tendências, coisas que podem ser escritas e que ninguém ainda o fez.
Para mim nada é difícil de começar, o que as vezes acontece é de tomar uma ação concreta com todo o conteúdo que vou absorvendo durante o dia como uma esponja.
Então, mesmo que eu não coloque a escrita de algo novo que aprendi em prática, sempre deixo tudo anotado nos cadernos e ferramentas que uso no dia a dia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As vezes eu dou uma surtada básica, grito para o universo que não vou mais escrever uma palavra se quer, digo para minha esposa que a escrita não é pra mim. Felizmente todo esse misto de sentimento passa, ou na mesma proporção que veio, ou depois de uma noite de sono.
Mas o medo e a procrastinação são sombras que carregaremos para sempre dentro da gente. Costumo dizer que escrever é um ato de coragem e que existe dois tipos de medo: 1) Aquele que te paralisa. 2) Aquele que te impulsiona. Basta que escolhamos algum deles para de fato continuar ou não escrevendo e deixando nosso legado no mundo.
Escrever não é e nem deveria ser algo que vem e que passa, ou que não pode ser encarado como algo sério e profissional, e até mesmo como uma espécie de vômito quente calejado que precisa ser expurgado, mesmo que ninguém sinta o cheiro pútrido de nossas entranhas. De toda forma, todos esses processos é saber e ter que lidar e mesmo assim, continuar escrevendo custe o que custar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sou chatona com relação a revisão dos meus textos, como publico diariamente em diversas plataformas diferentes, assim que escrevo algo já saio revisando.
Se for algo maior e que não tem necessidade de ser publicado no mesmo dia, sempre opto por deixar o texto descansando de 24h a 48h antes de olhar pra ele de novo e caçar os erros cometidos.
Nunca mostro meus textos para outras pessoas antes de publicá-los, pois meu trabalho exige uma demanda, recorrência e formulação de produções novas de forma muito constante, não dá tempo de passar por outras pessoas antes de serem trazidos ao mundo.
Porém, quando é um projeto maior, literário e pessoal meu, como uma zine ou um livro tradicional, aí opto pelo olhar de um especialista em revisão gramatical sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu não sou nada sem a tecnologia. Por mais que eu tenha o costume de todos os dias escrever coisas no caderno que deixo na minha mesa, sempre estou usando aplicativos e ferramentas para agilizar meu processo de escrita e publicação.
Porém, muitas vezes já escrevi projetos imensos de grandes todos no caderno antes de transportá-los para algo mais tecnológico. Prefiro esse contato com o papel antes, de algum modo as ideias ficam muito mais claras e objetivas do que no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Absolutamente tudo dá um texto e eu mantenho essa premissa na minha vida da forma mais objetiva.
Consumo uma quantidade gigantesca de conteúdos diariamente, tanto literários e não literários e todos eles sempre se encaixam em alguma ideia que tive no passado, algo que deixei anotado como uma espécie de devaneio em algum caderno e assim por diante.
Tenho o costume de observar a humanidade frequentemente e isso sempre me deixa apta a escrever, principalmente minhas crônicas e reflexões sobre o mundo.
De noite depois que paro de trabalhar e minha esposa chega do trabalho saímos para caminhar e conversar sobre como foi nossos dias, e ela sempre tem uma novidade muito engraçada pra contar que e tenho vontade de escrever uma nova versão sobre os fatos ocorridos.
Fazer reuniões, dar mentoria, consultoria, estruturar projetos são parte da minha rotina também e isso me torna dez vezes mais criativa e produtiva. Então nunca fico sem saber sobre o que escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muito a forma de me posicionar e de me entender como escritora. O autoflagelo também mudou muito, antes eu tinha o costume de ficar me punindo de certa forma por escrever as coisas que escrevia ou de ficar me desvalidando antes mesmo de alguém dizer alguma coisa.
Aprendi a ser muito mais analítica e crítica com relação as coisas que escrevo e de levar meu processo criativo muito mais a sério, respeitando mais meu tempo, meus erros e acertos e aprendendo a me perdoar também.
Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos eu diria pra mim mesma: Manooo c é loko, tu vai ficar pesada demais das ideias e esse seu lado “estranhamente” vai mudar a vida de muitas pessoas e te dará a chance de conquistar tudo aquilo que você sempre sonhou. Apenas respira pra não pirar, continua escrevendo todo dia como se fosse uma prece e confia no universo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de dar start no meu primeiro livro de romance, é uma parada que estou procrastinando para começar há quase dois meses, mesmo tendo ele todo estruturado.
Eu gostaria de ler um livro de crônicas escrito por pessoas em situação de rua, quando eu fazia estágio num centro de acolhimento para pessoas em vulnerabilidade social, sempre tive o desejo de iniciar uma oficina de escrita com os moradores da casa para que pudéssemos desenvolver algo e disseminar por bibliotecas, escolas e centros culturais. Só verdade nua e crua com protagonismo de quem passou a maior parte da vida sendo invisível e silenciado.