Maria Rezende é poeta, performer, celebrante de casamentos e montadora audiovisual.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é de calma e sem compromisso. Preparar café da manhã, comer devagar, cuidar da casa, mandar emails, resolver pendências, fazer exercício. É um momento mais de preparação do dia do que de produção.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não tenho rituais pra escrever, nem hora certa. Acho que a poesia, diferente da prosa, não demanda uma rotina, nem sei se ela possibilita isso. Pra mim a poesia é mistério, pode vir numa hora de distração ou numa hora de imensas tarefas, me obrigando a parar tudo e abrir espaço pra escrever. Mas nunca com hora certa. Reescrever já é diferente, rever poemas, pensar em um livro, isso sim consigo fazer de forma mais metódica, em geral à noite, quando a casa está quieta e as demandas do mundo acalmam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho nenhuma meta com minha poesia, talvez só a de deixar que ela exista, livremente. Pra mim ter objetivos na poesia tiraria o único propósito dela, que é me surpreender, me revelar. Passo longos meses sem escrever um poema, e subitamente posso escrever muitos em poucas semanas. É um fluxo sem regras.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Essa pergunta acho que se aplica mais a quem escreve romances, que me parecem ser projetos ousados – tanto que ainda nunca ousei escrever um. Mas é curioso que nos últimos tempos tenho pesquisado pra escrever poemas, um processo bem novo e diferente pra mim. Me vem uma idéia de um tema, ou ouço uma expressão que me interessa, e vou pesquisar, reunir informações muitas vezes até técnicas, e depois desdobro o poema a partir disso. Foi assim com um poema recente chamado “Fêmeas”, que compara a vida reprodutiva de mulheres e galinhas. Também com um poema sobre um novo planeta descoberto por astrônomos. Lá fui pesquisar e me inspirar. De novo, a pesquisa é metódica, a escrita é misteriosa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que pra mim a grande trava é o medo constante de nunca mais escrever. Como eu sou bastante refém da poesia, ela me toma quando e como quer, eu tenho sempre essa faca no pescoço do “será que ainda escreverei?”. Hoje, depois de vinte anos escrevendo poemas, cinco livros, já não me aflige tanto esse medo, já sei que de algum modo sou mesmo poeta e a poesia virá. Mas essa possibilidade do nunca mais está sempre na esquina.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
De início eu era contra revisar poemas, tinha uma ingenuidade juvenil que acreditava que eles nasciam prontos, bons ou ruins. Hoje reviso bastante, experimento, salvo versões, volto ao original. É uma sensação muito íntima e pessoal determinar que um poema está pronto. Eu compartilho com algumas poucas pessoas íntimas, amigos mais do que colegas de trabalho ou editores – até porque nos últimos anos me tornei autora-editora e eu mesma edito meus livros. Gosto de ler as impressões, mas a minha sensação vale mais do que qualquer opinião. Se um poema agrada a todos mas não me parece bom, não publico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu comecei escrevendo só à mão, depois passando pro computador. Hoje em dia não ando mais com caderno na bolsa, mal tenho um caderno na cabeceira. Escrevo onde for, em papel, no celular, no computador. Gosto muito de um conceito do Richard Sennet, do livro “O artífice”, que diz que a mão pensa. Antigamente eu sentia que minha mão só sabia pensar segurando uma caneta. Hoje ela já sabe pensar e sentir teclando também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que me manter criativa é ser capaz de enxergar, pra fora e pra dentro. Olhar o mundo com olhos novos, olhar pra mim mesma com olhos novos. Perceber poesia na fala da minha fisioterapeuta quando ela me explica sobre como a dor vai até o cérebro e me diz a palavra “espinotalâmica”. Perceber poesia na forma como olho pra uma árvore num determinado momento, e ter a coragem de sentir o que quer que eu sinta pela vida afora.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria pra Maria de vinte anos que ela pode ter calma, que aqueles são só seus primeiros poemas e que sua escrita vai mudar junto com ela. Eu escrevia poemas de versos livres, não me interessava nenhuma forma fixa, e quase nenhuma rima. Com o passar dos anos perdi o desejo de ousar, passei a escrever com a liberdade de quem pode descobrir a cada poema a forma que ele pede, investigar modos, como essa coisa de pesquisar pra escrever que é novidade e tem me interessado bastante. Acho que minha escrita tem suas marcas, tem seu jeito, e muda como eu mudo, sempre.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria muito de escrever pra crianças, mas ainda não tive o estalo pra começar. Os livros que eu quero ler são tantos, sei lá se eles não existem ou se só ainda não me chegaram às mãos…