Maria Luíza Chacon é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente não tenho uma rotina matinal rígida. Sou professora, mas estou afastada de sala de aula devido ao doutorado. Então acaba que tenho uma flexibilidade maior para organizar os meus horários de trabalho. Na maior parte dos dias, acordo, arrumo uma ou outra coisa em casa, tomo um banho, tomo café da manhã e me sento para estudar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende se a escrita é acadêmica ou literária. Prefiro me dedicar à escrita acadêmica durante o dia, de preferência pela manhã, pois esse é o momento no qual me sinto mais descansada. O movimento desse tipo de escrita costuma acontecer assim: leio e tomo notas, depois escrevo. E empreender esse caminho nem sempre é fácil. Há uma força e uma clareza que só a minha mente descansada pode proporcionar.
Já a escrita literária é diferente: não é tão comum que consiga escrever pela manhã. Posso tentar, e geralmente vou anotar uma ou outra coisa, ou vou ler muito (os períodos em que estou escrevendo ficção são também de muitas leituras), o que no fim das contas não deixa de ser parte constitutiva do processo de escrita. Mas a parte de conseguir transmutar as sensações em palavras só costuma vir no fim da tarde e à noite. Quando era adolescente, gostava de escrever durante a madrugada. Fui perdendo esse costume. Dou muita importância ao meu sono, e dormir mal durante a noite me deixa acabada no dia seguinte. De todo modo, parece que continuo preferindo a noite pra escrever. Esse tipo de escrita demanda algo diferente da escrita acadêmica, algum cansaço do corpo, um estado de tensão, um ressoar de palavras que parece sonho e que só alcanço quando estou meio cansada do dia.
Não tenho ritual para escrever. Mas há algo que costumo fazer antes da escrita literária e da escrita da tese: café. Além da disposição que a cafeína traz, parece que só o processo de parar pra preparar o café, sentir o seu cheiro, bebê-lo, ajuda a minha cabeça a entrar no ritmo de trabalho. Em se tratando da escrita literária, às vezes coleciono palavras que escutei por aí ou que li em algum lugar, palavras com as quais eu gostaria de criar. Acontece de elas me conduzirem às ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária, mas aprecio quem tem. O meu processo de escrita é lento, posso ficar meses escrevendo o mesmo texto. Escrevo em períodos concentrados. Mas nos últimos tempos tenho descoberto algumas formas de não ficar só esperando a escrita pintar como um lampejo. Tenho notado maneiras de facilitar a formação desse tal estado de tensão que citei anteriormente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não me lembro de ter sentido dificuldades pra começar. Pelo menos não quando escrevo literatura. Geralmente a primeira frase de um texto me vem pronta. Vou encontrando as dificuldades é pelo caminho – ouvir a voz de um personagem, descobrir qual a tônica de uma narrativa. Quando isso acontece, torno o texto uma obsessão, penso nele várias vezes ao dia, se for o caso faço anotações, às vezes sonho. Quanto maior e mais exclusiva for essa dedicação, mais vou encontrando as pistas. E é preciso ter paciência, porque isso às vezes leva um tempo. É preciso entender que esses momentos de pausas ou de desvios também constituem a escrita. Agora, como eu me movo da pesquisa pra o texto sendo escrito no papel, é algo misterioso pra mim. Mas sei que tem a ver com a criação e o desdobramento de uma espécie de conflito, escrevo quando certo desconforto culmina. Só que esse desconforto é do tipo que traz ânimo. No momento em que as palavras me sobrevêm, vou anotando tudo e dizendo em voz alta. Eu me preocupo com o ritmo do texto, com a sua pulsação, ainda que escreva prosa. Acho que me preocupo mais com isso que com contar uma história propriamente. Por isso escrevo com os ouvidos. Gosto que a minha escrita traga um ritmo próximo da oralidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação é uma questão pra mim, porque sou bastante ansiosa. Ter prazos me ajuda a trabalhar, a me pôr em movimento. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, não sinto. Mas já senti. Nunca estava satisfeita com o que escrevia, e até hoje tenho certa dificuldade para reler os textos que escrevi – ainda mais se forem antigos. Havia algum receio em me expor, ainda que eu não me desse conta. Há alguns anos, passei por uma fase na qual não conseguia escrever quase nada, e vejo que em grande parte isso teve a ver com insegurança. Fiquei paralisada. Desde abril do ano passado, mais ou menos, venho sentindo a necessidade de lançar os meus textos com mais força pro mundo. Antes, eu dizia que escrevia pra mim, não urgia publicar um livro. Agora, urge. E eu não tenho parado pra pensar em corresponder às expectativas das outras pessoas. Parece que entendi: farei o que preciso e posso fazer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei dizer quantas vezes. A verdade é que reviso bastante enquanto escrevo, vou moldando, mudando aqui e ali, lambendo o parágrafo. Parece que a reescrita vai acontecendo quase que concomitantemente com a escrita. De modo que, ao final, quando revejo tudo, não costumo fazer muitas modificações. Nos últimos anos, é comum que mostre textos ainda não publicados ao meu amigo Pedro Lucas. É algo que acontece com naturalidade, confio nas sugestões textuais dele, e já recebi apontamentos importantes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador e gosto da agilidade que esse suporte dá a minha escrita, aproximando-a bastante da velocidade do pensamento. Tenho um caderninho à mão, onde anoto palavras, ideias, às vezes pequenos esboços. Mas o desenvolvimento da escrita se dá mesmo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de muitos lugares, de lugares que às vezes nem eu mesma sei. Pelo menos não de modo consciente. O que me vem à mente agora: pode ser de um filme, de uma memória, de um sonho, de algo que escutei alguém dizer, de um livro que esteja lendo e que me desperte algo. Escrevo tomada pela questão e pela lacuna, mais interessada em manejá-la e festejá-la do que em preenchê-la.
Sobre o conjunto de hábitos, há alguns. Ter caderninhos e fazer anotações é um deles. Não fazer anotações e só observar, também. Ler bastante. E me manter atenta ao mundo, aos detalhes, aos mistérios.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitas coisas mudaram. Uma delas é que antes eu ficava à espera do jorro criativo. Escrevia quando isso me sobrevinha feito uma febre. Escrever dependia disso. E, por essa razão, era algo que acontecia com menos frequência. Com o tempo, fui percebendo maneiras de provocar disparadores de percepção que podem me levar à escrita. Eu trabalho e o lampejo acontece. O que eu diria a mim mesma? “Só vai.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever um texto mais longo, uma novela ou um romance. Mas isso é algo que pretendo pensar depois de publicar o meu primeiro livro, o que deve acontecer no primeiro semestre deste ano. Também pretendo finalizar a minha tese antes. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe pode ser que exista e eu só não saiba ainda. Não raro acontece de eu ficar surpresa e maravilhada com algum livro que até então eu não sabia que precisava ler. São tantos os livros… E tão curtinha uma vida só pra dar conta.