Maria Lúcia Verdi é poeta e cronista, autora de “Personagem Possível”, “Matéria sem nome”, “Falas”, entre outros.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das sete horas. Provavelmente começo o dia como a maioria das pessoas, me espreguiço devagar e relembro sensações e pedaços de sonhos, na esperança de que me digam algo além do que me diz a razão. Depois, também como a maioria, preparo os primeiros alimentos, o que gosto de fazer ouvindo o silencio matinal. Desço com a cachorra e olho muito para o topo das árvores e os movimentos do céu, a pintura das nuvens.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou mais diurna no que se refere à escrita, mas não há hora melhor. Pode ser a qualquer hora o trabalho mais intenso, depende dos ares que circulam em mim e no entorno. Não tenho ritual de preparação, só o desejo. Como ritual, se posso chamar assim, há a meia hora sentada em zazen assim que retorno do passeio com a cachorra. Respirar, tranquilizar, escutar-se sem objetivo é bom e necessário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias, às vezes acho que gostaria de conseguir, mas não consegui até hoje. Mas talvez não, talvez meu ritmo seja mesmo assim intratavelmente assistemático. Não tenho meta diária. Minha única meta diária é sempre fazer alguma coisa significativa, cada dia. Seja este significativo o que for – escrever, cozinhar para amigos, brincar com um neto, ter alguma conversa significativa, ler algo concentradamente, ou mesmo fazer ginástica sozinha nestes tempos de isolamento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do que estou escrevendo. Quando estou preparando matéria para o site brasiliarios, onde sou articulista, vou reunindo ideias e anotando as pesquisas até que a matéria toma forma e passo para o computador. Revejo umas duas vezes antes de enviar. Quando se trata de poesia ou outros textos híbridos como os que escrevo (mini contos, pontuações poético-reflexivas ou crônicas) revejo muito, reescrevo muito, com exceção dos micro poemas que acompanham as fotos que publico no Instagram, esses surgem da velha e boa inspiração e são feitas a partir da interação do momento entre o olhar e a palavra.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Também, como todos, creio que lido com alguma ansiedade e angústia. Tento elaborar, superar esses sentimentos, por meio da respiração, das caminhadas, dos momentos solitários e silenciosos que são indispensáveis a qualquer criador. Sobretudo tendo em mente que, se nunca mais escrever, não fará falta a ninguém. Sou bastante ligada à filosofia Zen, que nos coloca na nossa exata dimensão e impede que a imersão no ego seja fatal.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Meu último livro, “em voz baixa”, publicada pela Ed. Iluminuras, no ano passado, foi escrito ao longo de oito anos… e é bem pequenino…
Posso eventualmente mostrar para algumas poucas pessoas, mas não é mesmo a regra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador e acho fantástica a tecnologia, quando usada apropriadamente. É muito bom ter dicionários e o Google para tirar dúvidas, sem precisar consultar muitos livros. O que não quer dizer que deprecio os livros, ao contrário, minha biblioteca é um dos meus tesouros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Esta pergunta não tem fim! As ideias vêm por todos os lados… Da observação da realidade externa e interna, interna e externa. Da mistura com a vida, com tudo o que tem vida. Das memórias. Dos sonhos impossíveis, dos sonhos possíveis. Mas, sobretudo, da escuta atenta às minhas vozes interiores. É essencial escutar todas elas, as vozes que nos compõem, sejam as belas, as terríveis, as banais ou as “iluminadas”. Quando acordamos com uma frase, quando trocamos uma palavra por outra (os lapsos freudianos)… Observar-se, ouvir-se é central para a criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou é o que corresponde, creio, à passagem do tempo. Não tenho mais o apaixonamento de antes, como é natural. Apaixonamento no sentido mais amplo da palavra, aquele entusiasmo que nos faz acreditar em tudo. Consequentemente, minha produção é mais cerebral, o que às vezes me incomoda.
Não se pode voltar atrás, assim que não sei o que me diria em relação, sobre tudo, ao primeiro livro, Personagem Possível, de 1984. Talvez, que não fui suficientemente criteriosa na eliminação de alguns poemas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Com relação à escritura, tenho vários projetos iniciados, sobretudo contos e obras de teatro (uma está terminada: Fazedora de Sonhos). Mas não tenho pressa, sou regida por Saturno… O projeto que ainda não comecei – preciso fazer um curso… – é realizar videoarte filmando e editando, inserindo meus textos. Ainda farei.
Estou plenamente satisfeita com os livros que já existem…