Maria José Silveira é escritora e tradutora, autora de “Maria Altamira” (Instante, 2020).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Depende do que escrevo. Um romance, por exemplo, exige exclusividade. Se a vida não permite que seja uma exclusividade completa, que seja pelo menos de uma parte do meu dia. Portanto, quando estou escrevendo um romance, dedico minhas manhãs só a ele. Na parte da tarde, me dedico aos outros projetos e às questões pessoais.
Mesmo quando não estou escrevendo um romance, dedico sempre minhas manhãs à escrita. Contos, infanto-juvenis, crônicas, o que for. Sempre escrevo nas manhãs.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo o suficiente para começar, o que significa ter um eixo em torno do qual escreverei. Ou seja: uma linha mestra, um arco narrativo. A partir daí a narrativa flui. Mas sempre sob meu controle. Quem manda nos personagens que crio e na trama que escrevo sou eu. Os personagens e a trama só me levam pelo caminho que eu mesma escolho. Consciente ou inconscientemente. Eu mando neles.
Nem a primeira frase nem a última. As duas fazem parte da história que conto e acontecem no momento em que me sento para começar ou terminar. E posso mudá-las também, várias vezes. Até fazer a última revisão do que escrevo, tudo está em movimento, tudo está fluindo, tudo pode ser ou deixar de ser. Não há nada sagrado.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tenho a rotina que prazerosamente me coloquei e a qual já mencionei na primeira resposta: reservo todas as minhas manhãs para a escrita. E costumo escrever no meu canto de trabalho, onde fica a minha mesa com meu computador. Ainda não me vi obrigada a escrever fora desse cenário. Mas a peça fundamental desse cenário é meu computador e, tendo-o à mão, creio que poderei manter a rotina das manhãs em qualquer lugar, sem problemas.
Tampouco preciso de silêncio, o que é ótimo porque silêncio é algo impossível aqui onde moro. Minha rua se faz ouvir constantemente. Felizmente, tenho uma capacidade grande de concentração. Faço silêncio ao meu redor e me abstraio de tudo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Tenho a sensação de que até os 40 anos, vivi preparando as condições de começar, por fim, a escrever, como era meu desejo desde que me entendi por gente. Pensei, então, que se não começasse a escrever naquele momento, era melhor esquecer essa história de um dia ser escritora. A outra sensação que eu tive, como consequência da primeira, foi a de que eu não tinha mais tempo para nenhuma procrastinação. Sensação que tenho até hoje, ou melhor, nem preciso ter porque depois que comecei a escrever, me senti tão feliz que a ideia de procrastinar alguma coisa nesse sentido simplesmente nunca me ocorreu.
Felizmente, quando tenho uma ideia na cabeça, não me sinto travada. Quando não tenho, penso em qualquer coisa e escrevo non sense, fantasia, vou até minha janela e escrevo sobre o que vejo lá fora ou penso a partir disso, enfim, qualquer objeto, movimento, rastilho de ideias, tudo isso me leva a escrever toda manhã.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Essa pergunta eu não saberia responder. Cada livro apresenta suas dificuldades e traz suas alegrias. Todas me deixaram orgulhosa à sua maneira. Eu poderia falar de todos aqui mas talvez devesse ressaltar cinco: “A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas”, por ser o primeiro e por ter me provado que era escritora; “O Fantasma de Luís Buñuel”, por ser uma romance de formação da geração de 68 à qual pertenço; “Felizes Poucos”, livro de contos que trata da luta contra a ditadura civil-militar da qual participei e da qual demorei a escrever; “Pauliceia de mil dentes”, um romance que fala de São Paulo, a cidade que amo e escolhi para viver; e “Maria Altamira”, o mais recente, que me exigiu um trabalho de campo e observação que ainda não tinha feito para escrever um romance.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
A escolha dos temas vem das minhas inquietações, de alguma questão que me apaixona a ponto de me levar a escrever sobre ela. Sou uma escritora que olha para fora da sua janela, para o outro. Ainda que, como todos que escrevem, exista algo de mim em todos os meus livros, meus temas falam de questões que não estão debaixo do meu próprio teto.
E, não, não mantenho um leitor ideal em mente. A minha escrita está voltada para os que desejarem lê-la.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Meu primeiro leitor é sempre Felipe, que resulta ser meu marido. Dependendo do livro, mostro para ele as primeiras versões dos capítulos; às vezes, espero o livro todo ficar pronto. Acho que minto. Acho que mostro para ele as primeiras versões de todos os capítulos, e conversamos a respeito. É como se eu tivesse um editor em casa.
Quando já considero o livro relativamente pronto, eu o mostro a alguns amigos mais próximos e que sei que se interessam pelos meus livros. Pela minha experiência, no entanto, nem todos os amigos gostam de ler originais, o que compreendo perfeitamente. Entre o original e o livro pronto há um bom caminho a percorrer e, para muitos, o que vale é o original já em formato de livro, diagramado, cheiroso. Sem dúvida, é mais gostoso.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Quando comecei a escrever, eu já vinha de um trabalho de tradução e editorial muito forte. Fui sócia fundadora e diretora da Editora Marco Zero por 18 anos. Quer dizer, trabalhei muito em livros dos outros antes de trabalhas nos meus. O que me levou a já começar a escrever com alguma bagagem.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Creio que toda leitura pela qual eu me apaixono me influencia um pouco. Talvez meu estilo seja uma mistura de todas elas, mas eu não saberia te dizer. E nem sei dizer se tenho um estilo próprio. Sinceramente, não acho que essa questão me concerne muito. Sou leitora ávida e escritora de todos os dias; não sou estudiosa da literatura. Até gostaria de ser, mas não sou. Não frequentei a faculdade de letras; fiz jornalismo e antropologia. Não fiz oficinas. Gostaria de ter feito, mas quando comecei a escrever, as oficinas de literatura não tinham chegado ao país. O que sei aprendi lendo e fazendo, e me tornei muito intuitiva no que escrevo.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Sempre gostei de recomendar livros para meus amigos. Bastava ler algo que me emocionasse para sair dizendo aos quatro ventos o quanto aquele livro era bom. Isso deve estar na base da minha escolha em fundar uma editora, a Marco Zero. E continuo fazendo isso, compartilhando aos quatro ventos o que gostei de ler. Nesse momento atual, o que ando recomendando muito são os livros do Ailton Krenak, você já leu? Se não leu, leia. Ele vira algumas de nossas ideias de cabeça para baixo. É sensacional.