Maria João Cantinho é escritora, poeta e pesquisadora da Universidade de Lisboa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, normalmente tomo o pequeno-almoço (café da manhã), um café forte e vou pela manhã fora a trabalhar. Gosto de aproveitar a energia assim que acordo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã ou à noite. Gosto de ouvir música para me concentrar e para me inspirar. A música exerce um poder grande sobre mim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nem sempre consigo, dado os afazeres múltiplos que tenho, mas escrevo mais durante as férias e períodos de pausa do trabalho, pois interrompo menos. Isso permite-me outra dedicação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O mais difícil é sempre começar, achar o caminho para abrir um texto de forma singular sem me deixar formatar pela fórmula. Isso exige alguma distância do que se lê e se ouve à volta, até do que estamos a ler.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho problemas com a procrastinação, quase sempre é com a insegurança ou uma certa ansiedade, relativamente à forma como o texto será avaliado, mas eu serei talvez a mais exigente das minhas críticas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim, reviso bastante, até ao ponto de enlouquecer e querer recomeçar o texto novamente. Nessa altura paro porque percebo que estou a perder o sentido da medida. Mas, ao mesmo tempo, não sou boa revisora e gosto de dar a ler os meus textos aos amigos para os ouvir. Tento ter uma relação distanciada com eles, de forma a aceitar bem as críticas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo diretamente no computador, embora tenha sempre um bloco de notas, para anotar o que me “aparece” e não esquecer as ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não cultivo nada. Sempre fui muito solitária e gosto da solidão. De ler e estudar e ligo pouco ao que os outros leem ou fazem à minha volta. Sigo o instinto, quando gosto dou sequência ao que leio e vou seguindo, sem me deixar impressionar com o que sai em jornais e revistas, no âmbito da literatura. Faço isso para preservar a independência e a autonomia. Não gosto e nunca gostei de tribos, de grupos (nem de esportes coletivos) e de coisas assim, sinto-me completamente tolhida e até me aborrece. Isso preserva a minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O pesar das palavras, a redução da adjetivação no texto. Sou hoje mais sóbria e penso mais na justeza das palavras, gosto dessa depuração. Dantes adjetivava demais. A literatura não é isso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever dois romances: um sobre a história do meu pai na guerra da Angola, como a de alguém que viveu o seu tempo numa época dramática, com todas as vicissitudes. Outra está meio construída: a história de dois poetas que tiveram uma relação marcante no século XI, na Andaluzia, na época das Taifas. Um deles foi um rei notável e um poeta impressionante da Andaluzia: Al-Mut’Amid.