Maria João Cantinho é escritora, poeta e pesquisadora da Universidade de Lisboa.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Normalmente trabalho como professora, isso deixa-me menos tempo para a escrita, mas procuro conciliar com o trabalho. Não conheço ninguém que viva só da escrita. Quem tem mais tempo para se dedicar são pessoas que já estão reformadas e que têm todo o tempo para o fazer. Também prefiro ter mais do que um projecto a acontecer.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
As duas coisas. Primeiro deixo fluir e depois organizo, para não perder o pé. Esta última fase tem mais que ver com a escrita de romance ou de novela. Na poesia, prefiro deixar fluir. É sempre difícil encontrar as primeiras frases, num romance, pois são elas que agarram (ou não) o leitor. O fim vem naturalmente.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sim, escrevo diariamente. Preciso sobretudo de música, só instrumental, que me dê concentração e uma atmosfera interior.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Escrevo à mesma, mesmo que vá para o lixo, mas não me deixo dominar pela procrastinação, senão as ideias vão desaparecendo.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O romance «Asas de Saturno». Procurar o tom e o trabalho de linguagem que me agradasse demorou muito tempo. Era como uma sinfonia, tudo precisava de se encaixar. O texto de que me orgulho mais de ter escrito foi o ensaio «Walter Benjamin: Melancolia e Revolução.» É um texto difícil, mas achei que consegui abordar com a simplicidade possível os temas que, por si, são difíceis.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Em função das minhas obsessões, são elas que ditam os temas e os títulos dos meus livros. A escrita pode ser uma forma de lidar com essas obsessões.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Tenho pouco à-vontade por ser uma pessoa muito reservada. Mas, quando acho que os livros estão acabados, peço a opinião de meus melhores amigos, antes de os publicar.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Muito cedo, mas só tarde publiquei o primeiro livro, por timidez e respeito à literatura. Gostaria de ter ouvido que a escrita nos faz mergulhar num mundo de incomunicabilidade em relação à maior parte das pessoas. Só descobri isso quando já escrevia.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Sim, tive várias influências, em diferentes épocas. Muito Jovem com Marguerite Yourcenar, mais tarde com Clarice Lispector. Escusado será dizer que procurei desembaraçar-me delas para poder adquirir a minha própria voz.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Qualquer um de Thomas Mann, amo este autor. Ou então de Marcel Proust. Sobretudo para quem queira começar a escrever. Também são assustadores se se tornarem as influências do autor. Bloom tinha razão no que dizia da «angústia da influência».