Maria Giulia Pinheiro é poeta, performer e pesquisadora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Organizo meticulosamente. Trabalho com muitos projetos ao mesmo tempo e não é tanto por opção, mas principalmente por funcionamentos sociais e políticos ligados ao entendimento de cultura no Brasil. Difícil trabalhar com um só projeto em um país que não valoriza os profissionais das artes. Meus dias são super calculados. Regulo períodos bem específicos de ensaio, de trabalho, de responder e-mails, de dar aulas, de preparar aulas, etc. Todo dia acordo às 7h, faço aquecimentos físicos, trabalho até às 11h. Almoço. Volto às 13h e fico até às 20h. Se estou com muitas coisas, acordo mais cedo para responder e-mails e whatsapp.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo os horários em que estarei focada no projeto, mas a ideia em si nasce como uma sedução mesmo. Algo me acorda de manhã, me leva pra cama de noite. Tomo banho pensando nisso, cozinho pensando nisso. Quando vejo, está no papel.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Preciso de solidão e focos profundos. Só posso estar acompanhada da criação. De mais nada, nem ninguém. E preciso de momentos bem coletivos também. Mas só depois de criar a base, de fazer a minha parte do processo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Desligo o wi fi e medito. No fundo, é tudo distração. A criação é uma religião, um religar a si em busca do sagrado, do que nos une a algo misterioso, mágico. Você pode dar o nome pra isso que quiser: Deus, amor, o Outro. Mas está aqui e nos pertence. O resto importa muito pouco.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Ah, essa é uma pergunta bem difícil. Acho que o que mais deu trabalho foi Alteridade e também (talvez) seja dele que mais me orgulho. Mas me sinto um pouco respondendo àquela pergunta “você gosta mais da mamãe ou do papai?”. Digo que mais me deu trabalho porque foi aquele que tive que me aproximar, que tive que pedir licença pra obra, pro conteúdo, para aquilo que estava escondido de/em mim. E me orgulho por ter insistido, não ter desistido de criar. Mas, de novo, só estou inventando uma desculpa para poder responder, acho mesmo que todos os textos dão trabalho. São trabalho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Queria muito saber essa resposta! Acho que são eles que me escolhem e isso não é exatamente um mérito. Risos. Não penso em uma leitora ideal, não, penso em leitoras reais.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Tenho algumas parceiras e parceiros bem fiéis, para quem mostro os textos e também de quem recebo textos. Mas o que mais faço mesmo é dormir e ler o texto no dia seguinte como se não fosse eu quem tivesse escrito. Acredito muito nisso, que o texto está fora de mim, na medida em que escrevo. Então, esqueço o que escrevi. E leio como se fosse de outra pessoa. No fundo, é.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Honestamente, foi acontecendo. Posso colocar pequenos dias Ds. Quando meu primeiro texto foi publicado, aos 15 anos, e recebi retornos que não esperava. Quando menti na faculdade de jornalismo, fiz uma reportagem inteira só com personagens que criei, a professora pediu para publicar e eu tive que dizer que não – esse dilema ético mudou minha vida, talvez. Talvez, não. Ou quando me pediram um roteiro pela primeira vez. Mas, honestamente, foi acontecendo. Está acontecendo. Dar aula me faz me querer dedicar à escrita. Performar me faz querer me dedicar à escrita. Às vezes, falar no telefone me faz querer me dedicar à escrita. Pode ser que depois mude.
Gostaria muito que alguém tivesse me contado que ser escritora, ser artista, envolve muito excel. Muita tabela. Muito aceitar trabalho por dinheiro. Muito suor. Muita tela em branco. Pouco ego, pouco reconhecimento, pouco álcool e glamour. Mas muito, muito mesmo, trabalho. Ter em si a matéria prima da escrita exige que sejamos tanto pessoas interessantes – mesmo que só nas paisagens interiores – quanto que sejamos extremamente organizadas, para poder separar dentro de nós o que é matéria para talhar e o que é quem talha.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Essa é A dificuldade, não é? Lapidar as nossas obsessões até que elas sejam só nossas e, ao mesmo tempo, de todos. Não tenho distanciamento ainda do meu próprio processo para poder responder isso. Acho que só no leito de morte (espero). Porque não quero chegar em um momento em que penso “encontrei”. A graça é procurar.
Muitas autoras me influenciam, difícil pontuar uma. Sou uma pessoa bem apaixonada. Então, quando me apaixono por alguém, leio todas as obras que puder.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Irmã Outsider, da Audre Lorde. Dos livros mais fortes que já li.