Maria Filomena Coelho é professora do Departamento de História da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Infelizmente, a escrita está condicionada à rotina de aulas e às crescentes demandas burocráticas da vida acadêmica. Portanto, a disciplina da escrita, que para alguns autores é essencial, em meu caso é impossível de se estabelecer. Escrevo fora da rotina, o que não é de todo ruim, porque, quando consigo fazê-lo, tenho a sensação de ser um momento especial.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nunca tive um período preferido do dia para escrever. Gosto tanto de escrever, que qualquer hora é boa. Tampouco tenho um ritual, embora necessite de concentração e de um ambiente calmo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A vida universitária impede qualquer planejamento nesse sentido. Mas, para ser franca, não sei se gostaria de escrever todos os dias. Penso que há momentos do texto em que é preciso marinar as ideias, e posso ficar vários dias sem escrever. Definitivamente, metas estão fora de questão; a angústia seria insuportável.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Neste ponto, preciso separar a escrita acadêmica da ficcional. Com relação à primeira, a partir de um problema, vou procurando fontes documentais e bibliografia, ao mesmo tempo, e tratando de entrelaçar as duas tipologias, por meio de pequenos textos, comentários, reflexões. Portanto, quando finalmente decido que posso escrever um texto mais robusto, vou tratando de costurar as anotações. Nesse momento, percebo que as reflexões que escrevi inicialmente precisam ser revistas e, até mesmo, descartadas, pois vou mudando de perspectiva à medida que a pesquisa avança. Gosto muito da sensação que me provoca a metamorfose do conhecimento, na etapa da pesquisa. Já o processo da escrita ficcional é bem diferente. Primeiro leio muito sobre o principal tema do enredo, pesquiso sobre os locais, as personagens, até sentir que estou pronta para começar a escrever. Geralmente, isso ocorre quando já consigo visualizar os lances principais do romance, imaginar cenas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei se cai bem dizê-lo, mas nunca senti medo de escrever. Escrevo desde a adolescência, com grande prazer. Na verdade, quando escrevo um romance, não penso no público, mas em mim. Atualmente, sinto falta de ler bons romances em português, histórias que me carreguem. A literatura pós-moderna é interessante, mas não me arrebata. Então, acho que escrevo porque sinto falta de ler histórias de que goste. Na escrita acadêmica, ao contrário, a imagem do leitor é o farol. Escrevo para comunicar minhas pesquisas, minhas propostas de interpretação do passado e isso só faz sentido se eu conseguir estabelecer diálogos com outros historiadores. De toda forma, não tenho medo de ”não atender a expectativas”, mas, sim, de não ter interlocutores que discutam e critiquem meus trabalhos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto muito de burilar os textos. Retornar às frases e limar as arestas, encontrando a melhor forma, a palavra justa, e reduzindo os excessos. Isso toma tempo, claro, e como faço sem pressa, às vezes o processo se arrasta. Sempre submeto meus textos a alguns amigos “sinceros” antes de publicá-los. Faz parte do ritual da pós-produção e me dá a oportunidade de rever algumas estratégias da redação, no caso da ficção, e de conteúdos, no campo acadêmico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Há muitos anos que escrevo tudo no computador. Gosto de tomar notas em pequenos cadernos, mas preciso do computador para as grandes narrativas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de todos os lados. Qualquer situação é boa para me inspirar. Às vezes, pequenos detalhes ganham musculatura, em outras, grandes acontecimentos reduzem-se à mera ilustração. É como um caleidoscópio em cuja lente pedaços de vida convergem e ganham novas formas. Meu principal hábito é manter-me alerta e não ter preguiça de anotar ideias; elas sempre frutificam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Na verdade, eu voltei à escrita da minha tese. Demorei dez anos para publicar a tese, porque, apesar de ter sido aprovada com louvor, quando coloquei o ponto final antes da defesa, já vislumbrava outra possibilidade de colocar o problema central. Foi muito estimulante retomar a documentação, sob outro prisma, e enfrentar uma nova redação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho alguns projetos em mente, que espero concretizar nos próximos anos. Há um, bastante antigo, sobre as arras matrimoniais na Idade Média, que está adormecido. Veremos… O livro que eu gostaria de ler, mas que nunca vai existir, é um “novo” romance de Eça de Queiróz, meu autor favorito. Já li tudo que ele escreveu, várias vezes, e sempre lamento que tenha escrito tão pouco!