Maria Ávila é poeta e estudante de Serviço Social na Universidade Federal da Bahia.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto muito de viver sem uma rotina fixa, tenho alguns hábitos, mas nunca sigo eles como uma regra, gosto de variar, viver fazendo mais do mesmo me deixa muito triste. Pela manhã, costumo levantar cedo, conferir o meu celular, ficar com a minha família, ver o que preciso fazer naquele dia e começar com as tarefas principais. Antes da pandemia, eu sempre corria pela manhã e passava o dia na Universidade, mas com o isolamento social precisei me afastar dessas atividades e me adaptar a uma rotina totalmente em casa. A escrita, a leitura e alguns projetos que envolvem literatura têm me salvado nesse momento, e me ajudado a me manter ocupada, por isso, a maior parte do tempo me dedico a ler e/ou escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem dúvidas pela manhã, é o meu horário preferido. Não tenho nenhum ritual muito elaborado e geralmente escrevo nos momentos mais inusitados, inspirada por alguma sutileza do cotidiano, tenho muitos poemas que anotei em listas de supermercado quando estava na fila ou no meio de alguma seção, ou que saí correndo do banho para escrever e não perder a inspiração. Muitos dos meus poemas surgem de alguma frase que me vem em algum momento e eu anoto para trabalhar em cima dela depois. Mas, quando preciso produzir algo específico ou quando reservo um tempo do dia só para escrever, arrumo todo o meu quarto. No meu quarto estão os meus livros, as minhas coisas e o ambiente em que encontro aconchego e tranquilidade para me concentrar e escrever, então enquanto arrumo a cama, coloco os objetos no lugar e acendo um incenso é como se arrumasse o meu interior também, gosto muito de fazer isso para me sentir presente, me entregar para aquele momento e concentrar a minha energia nas palavras que precisam sair de mim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente, sobretudo poesia, a escrita é parte fundamental de quem sou e da forma que existo no mundo. Atualmente, escrevo para alguns projetos literários, para a minha página no Instagram e trabalho também no meu primeiro livro. Nos projetos que exigem um prazo, sempre me concentro para concluir até a data prevista, mas no meu livro e na minha página, deixo a minha escrita livre para fluir de uma forma orgânica. E nem tudo o que escrevo é para publicar, alguns poemas são para ficar bem, para expurgar algum sentimento, para curar alguma ferida, as palavras são velhas amigas que nunca me visitam, já moram aqui.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Me concentro melhor nas minhas pesquisas quando estou anotando sobre o que estou aprendendo, por isso anoto sobre tudo que pesquiso e, geralmente, o pontapé inicial para o que estou buscando escrever vem de alguma das minhas anotações. Quando isso não acontece busco apenas começar, escrevo qualquer coisa até encontrar um caminho para dar forma ao texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando travo na hora de escrever, costumo visitar algum texto antigo que gosto muito para me inspirar ou me sentir capaz de repetir aquela qualidade, busco sempre respeitar o meu tempo, me distanciar do texto quando percebo que não estou conseguindo sair do lugar ou quando estou escrevendo sem sentir que está bom, por isso nunca descarto o que escrevi, sempre guardo para transformar quando estiver me sentindo melhor. A procrastinação é um problema maior, para lidar com ela busco me organizar, anotar todos os meus compromissos, planejar o que preciso fazer e lembrar que não existe momento perfeito para começar, o melhor sempre surge depois da coragem de dar o primeiro passo. Tenho encarado os meus processos com muito respeito e sensibilidade, buscando sempre acolher o que quero e preciso escrever, dessa forma lido melhor com expectativas, por que sempre busco colocar a minha voz inteiramente no que estou escrevendo, sentir que sou eu falando, que o olhar do outro é precioso, mas não mais do que o meu. Quanto a ansiedade, ela aparece muito na minha vida para além do trabalho como escritora, e escrever é a minha melhor forma de lidar com ela, então acaba sendo um momento de cura.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão é muito relativa, alguns textos eu sinto que estão prontos assim que termino de escrever, outros levam semanas de leitura e reescrita até que eu os finalize. O meu critério para saber se estão bons ou não é a minha intuição, quando me sinto desconfortável com aquilo que escrevi não dou mais um passo com o texto, deixo ele guardado e vou amadurecendo a ideia até que me sinto inspirada e consigo concluir. Eu sou sempre a minha primeira e mais exigente leitora, se eu sinto que estou falando a minha língua me sinto bem, mostro apenas para a minha mãe antes de publicar, ela é a minha melhor amiga, maior incentivadora e quem melhor me conhece.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo escrever à mão, acho muito gostoso e acredito que traz mais conexão com o que estou escrevendo, e diversas vezes faço o rascunho no primeiro papel que vejo para não perder a ideia, mas uso muito o bloco de notas do celular e o computador por conta da praticidade, pensamentos acelerados encontram um ritmo melhor para se manifestar com a facilidade proporcionada pela tecnologia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm de tudo que existe. O silêncio me inspira, barulhos me inspiram, o sol intenso, a lua em todas as suas fases, o vento, cheiros gostosos, comidas saborosas, pessoas queridas, pessoas desconhecidas, pessoas inspiradoras – sobretudo mulheres, outras formas de arte me inspiram, como os quadros de Frida Kahlo e as músicas de Maria Bethânia. Existir me inspira, a vida me sopra poesia todos os dias. Desenvolver esse olhar foi algo muito natural, mas que demandou tempo, leitura e o amor absurdo que sinto pelas palavras e pelos passeios por lugares sensíveis que elas nos permitem fazer. A criatividade é a minha escolha, me abro para ela sempre, gosto de prestar atenção na vida e nas pequenas coisas que me trazem aconchego, ou nas coisas horríveis que preciso criticar e buscar mudar. Acredito que por entrar em sintonia com a minha vontade de criar, ela também entrou em sintonia comigo e sempre me ajuda a colorir meus papéis em branco.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não me lembro de existir sem escrever, comecei muito cedo em diários, em textos soltos, depois passei a fazer cadernos de poemas, criei um Blog e uma página no Instagram para o conteúdo do Blog. Nessa época, eu escrevia de uma forma muito livre, mas também irresponsável, não costumava exigir muito do que escrevia e sempre publicava da forma que o texto nascia, porque eu fazia aquilo mais por gostar, por sentir prazer escrevendo e colocava no mundo só para dividir com as pessoas. Com o passar do tempo, fui encontrando a minha identidade, entendendo que aquilo poderia ser prazeroso, mas também precisava de uma responsabilidade maior, de mais trabalho, então fui aprendendo a trabalhar os meus textos. Se eu pudesse voltar, diria a minha antiga versão para continuar, para se manter autêntica mesmo que errando, todas as experiências da minha infância e adolescência me ajudaram a chegar no que tenho hoje, me ajudaram a entender a poesia como parte de mim, como o cerne da minha essência e pedaço importante do meu propósito de vida. Sigo aprendendo, e vez ou outra busco um pouco da liberdade irresponsável que tinha para não engessar os meus textos, quero eles sempre como pássaros livres, sou só o ninho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sonho em criar um espaço físico de arte e literatura, no qual receberei pessoas diversas para se expressarem e para consumirem arte de uma forma democrática e acessível, um espaço seguro e livre para falar, ouvir e construir caminhos para ampliar o acesso a poesia no mundo. Ainda é um sonho distante, mas trabalho todos os dias por ele. E o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe é o meu, estou escrevendo o meu primeiro livro e não vejo a hora dele estar prontinho.