Maria Andrade é poeta e escritora, autora de “Retorno à casa perdida” (Selo Auroras).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo meu dia tentando resolver pequenas coisas práticas, como alimentar meus bichos e passar um café. Eu gosto muito de rotina. Para mim, o primeiro gole de café do dia é o melhor gole. É, também, a hora que tento me lembrar do que sonhei. Depois, anoto. Anoto livremente, sem medo de “sujar” a memória do sonho com alguma ficção.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu tenho rotina de leitura, fichamento e escrita relacionada à pesquisa do doutorado e aos freelas. Trabalho bem no período da manhã e da noite. À tarde, meu pensamento é menos expansivo, então geralmente (se posso escolher) é a hora de fazer coisas mais mecânicas. Mas a verdade é que, quando o prazo aperta, toda hora é a melhor hora, simplesmente porque existe.
Agora, a escrita poética espontânea, deixo-a andar conforme os ciclos do meu desejo. E ele acontece às vezes em silêncio, às vezes em estirões de produtividade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A escrita criativa/poética/livre acontece espontaneamente. Eu tenho um insight e obedeço. O que eu faço é deixar o ambiente propício para, quando o desejo chegar, ser bem recebido. Mantenho a pequena escrita matinal de sonhos (acontecidos e imaginados), a grande escrita diária responsável (das obrigações de subsistência) e as várias escapadas irresponsáveis para que ela saiba que pode vir, se quiser. E, se ela não quiser, que não venha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que existem as várias distâncias que o escritor precisa tomar do texto, para que ele deixe de ser um impulso ou um objeto cru e chegue a ser ele mesmo, descolado do autor. Sinceramente, eu procuro não forçar o texto a acontecer depois das notas, porque, quando leitora afastada, sinto sua artificialidade e detesto. Acho que o bom texto nunca é o texto perfeito. Precisa ter um mínimo desarranjo, um ponto que desafina, uma pequena imperfeição não calculada. Deixo a mão severa para depois do texto pronto, na terceira distância.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Deixo que elas venham. Porque elas vêm, de qualquer forma, tendo eu um plano de defesa super elaborado ou não. Eu me deixo cair no buraco o mais fundo possível de cada uma delas. É a única forma que encontrei de esgotá-las. Negação só deixa a luta mais árdua e mais longa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É difícil enxergar os contornos de uma imagem quando estou absurdamente próxima ao objeto que encaro. Assim, aos meus olhos, os textos dos outros ficam prontos, os meus não. Por maior que seja o meu esforço para alcançar distanciamento, não é como se eu não tivesse escrito os meus textos. Então, chega uma hora que simplesmente paro de fazer alterações, não porque sinto que estão prontos, mas porque eu estou pronta para assumi-lo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acho que é razoável. Textos mais longos, escrevo no computador. Tenho um bloco de anotações no celular, para caso eu pense em algo quando já estou na cama, com as luzes apagadas. Eu gosto de gravar áudio dos poemas também, poema precisa funcionar de ouvido, então é um recurso muito bom. Mas, geralmente, escrevo poemas à mão, faço a maioria das anotações também à mão, porque rabisco muito, desenho bobagens no meio, posso brincar mais livremente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio bastante, mas não sei se vem daí. Acho que quando eu era mais nova, tinha mais disso, de escrever para tentar conversar com algum poeta que eu amo, mas hoje eu sinto que eles já me escutam quando eu os leio. Já me sinto completamente abraçada por eles assim. O que eu leio participa de tudo, mas, mais do que me fazer escrever, me ensina a olhar atentamente para o mínimo. Tudo é um composto de mínimos, não é?
Eu gosto bastante de anotar meus sonhos, de ler mangás dos mais variados e absurdos gêneros, de fazer colagens, de estar perto do mar, da cachoeira, de observar a brincadeira dos meus bichinhos, de conversar com pessoas interessantes. Mantenho hábitos que me mantenham viva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que eu passei pelos extremos de aceitar totalmente a crueza dos textos, sem intervenção da revisão, à exigência desumana de revisões infinitas. Demorei muito para publicar oficialmente por isso.
À Maria dos primeiros textos, eu não teria nada a dizer, pois era uma pequena poeta corajosa, sensível e engraçada. À última, talvez eu tenha: você não vai tocar o real enquanto não entender que escrever é do Outro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um livro de fragmentos, para que eu possa experimentar o aspecto bêbado do ensaio poético.
Eu gostaria de ler muitos livros que já existem, mais do que tenho expectativa de vida. Além disso, existem tantos escritores que nunca ouvi falar, outros que nunca tiraram seus livros da gaveta, que provavelmente esse meu livro desejoso já está por aí, é só uma questão de procurar.