Maria Alzira Brum Lemos é escritora, tradutora, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Mesmo quando viajo, o que é muito frequente, faço exercícios e pratico ioga pela manhã. Quando estou trabalhando num projeto, gosto de levantar às 4h30 ou 5h e escrever antes de começar as outras atividades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou diurna. No começo do dia. Não sou “escritora profissional”, então, em geral, não tenho prazos nem uma disciplina imposta pelo mercado ou quaisquer outros atores externos. Escrevo onde estou e quando as ideias se impõem e sinto que devo. Não sei se isso é um ritual, mas faço anotações, tomo fotos, faço collages, leio muito e procuro conversar e conhecer pessoas de diferentes meios, aprender com elas e observar as variações de linguagem, expressão, modos de vida. Praticamente todos os dias, dedico uma parte do meu tempo a pensar, a criar, a anotar, conviver.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas. Escrever é um momento. Não faço isso para cumprir metas, mas por necessidade e prazer. Como sou uma escritora que está em geral “à margem” do mercado, das instituições literárias, da academia, com os quais mantenho relações ocasionais, escrevo quando tenho um projeto, quando posso visualizá-lo claramente. Quando sinto que posso conectar anotações, ideias, imagens e transformá-las em uma “obra”, um conjunto de elementos conectado por uma lógica, ou seja, capaz de ser lida e entendida por algum outro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é fácil, o difícil é terminar! O conjunto maior, o de anotações, contém tantas possibilidades, que juntá-los é um enorme desafio. Quando tenho a “imagem mental” de um subconjunto, começo. Depois trabalho com a ordem, o ritmo, as estéticas etc. Ou seja, num tipo de edição de meu material.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não penso nisso. Escrever, ou melhor, criar e pensar, é parte da minha vida. É como respirar. Sinto que devo escrever, e este sentir não gera ansiedade, comparação, competição. O que me conecta com a escritura é isso: sentir, pensar, criar, ser parte de uma comunidade em processo. Não o cânon literário, os clichês de como deve ser um(a) escritor(a), o ego etc. Não há medo, não há ansiedade. Respeito os tempos, meus tempos e o tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas e muitas vezes, adoro detalhes. Sinto muito prazer em editar e corrigir, dar forma a um texto. Às vezes mostro, mas prefiro fazer isso num estágio avançado, quando o texto já está praticamente pronto, porque, no caso dos meus textos, um detalhe, uma pausa, faz muita diferença.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto algumas coisas a mão, uma palavra, ou uma frase. Muitas vezes fotografo ou faço colagens rústicas de imagens que me interessam. Mas primeiro anoto na cabeça, ou seja, trabalho num problema até encontrar uma forma que só então vira uma anotação. Aprendi a datilografar aos 8 anos e para escrever uso sempre o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sempre li muito. Observo o que está à minha volta, meus pensamentos, ideias, experiências. Gosto de resgatar materiais e linguagens menos nobres, de complexificar linguagens populares e dos meios de comunicação de massa e as imagens que povoam nosso cotidiano, tanto no nível individual como coletivo. Estou atenta ao detalhe, à loucura, ao humor, ao nonsense. Também gosto de reciclar imagens e textos de outros, de dialogar, falsificar até. Não faço nada com o objetivo de me manter criativa. Eu aprendo todos os dias algo novo, me surpreendo, respiro e continuo. Tenho uma oficina-laboratório de criação e desenvolvimento de textos em que aprendo muito dos “alunos”. De fato, eles terminam seus projetos e vão embora, mas eu continuo na escola. Obviamente praticar ioga e continuar aprendendo deve ajudar em algo, mas isso é parte de uma filosofia de vida, não tem a ver com nenhum objetivo concreto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou um pouco a maneira como me relaciono com o cânon e as instituições e corporações literárias. Sofri bullying,muitos escritores, editores, críticos etc. desprezaram (e continuam desprezando) o meu trabalho, mas, no começo, não havia nada que eu pudesse fazer a respeito a não ser parar ou continuar. Foi uma experiência e uma prova. Escolhi continuar. Não diria nada, não me arrependo de nada. Comecei quando pude, fiz o que pude em cada etapa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Se pensamos que um livro é um objeto, nos vários sentidos que esta palavra pode ter, é algo que já existe. Não penso num livro ideal ou que gostaria de ler, mas espero encontrar algum hoje que me interesse. Já comecei todos os projetos que eu gostaria de fazer neste momento. Espero ter saúde, paciência, disposição e alegria para continuá-los e criar outros.