Margarida Patriota é escritora, lecionou por 28 anos Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Francesa no Departamento de Letras da Universidade de Brasília (UnB).
Como você começa seu dia? Tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das seis e meia da manhã e remancho na cama por cerca de meia hora, enquanto o corpo pede colchão, a alma pede paz, e o estado de semissonolência me agrada. Duas vezes por semana, às seis, meu marido me lembra que tenho de me por de pé para ir à hidroginástica… No mais, cumpro diariamente meu asseio matinal, dou uma olhada no jornal impresso e me sento à mesa da cozinha para comer uma indispensável fatia de mamão, seguida de pão na chapa com manteiga (geleia de acréscimo, por vezes), caneca de leite com café pingado. Segurando a caneca quente pela asa, tomo o rumo do computador, frente ao qual tento pôr a cabeça em ordem, antes de acionar qualquer botão eletrônico.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em tempos recentes, ou melhor, de uns anos pra cá, reparei que, nas primeiras horas da manhã, encontro soluções para problemas de escrita que me pareciam insolúveis na véspera. Sinto como se o sono tivesse achado para mim palavras que eu procurara em vão no dia anterior. De maneira que gosto de trabalhar de manhã, movida a caneca de leite com café. Sem esse combustível, não sei se conseguiria começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias – sábado e domingo também, porém menos. Já tive metas de escrita que nunca cumpri, uma vez que tais metas estavam fora da minha realidade. Passei anos pelejando para escrever dez, quinze, vinte páginas por dia, como muitos escritores famosos. Hoje, quando completo uma ou duas páginas que eu julgue dignas de publicação, dou-me por satisfeita.
Como é seu processo de escrita. Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Anoto ideias num caderno, pesquiso significados de termos, sinônimos, etimologias, e vou adiando o momento de enfrentar minhas limitações até um ponto de saturação que me envergonha e acaba me levando a exclamar em voz alta: “Chega de enrolar, vamos lá!” Aí começo a escrever, desde frases capengas a palavras soltas, e vou tomando coragem para continuar o que me propus levar a cabo, à medida que a confiança no que faço cresce.
Como você lida com as travas da escrita, com a procrastinação, o medo de não corresponder a expectativas? E a ansiedade de corresponder a projetos longos?
Aprendi a ter paciência com meus bloqueios criativos. Encaro-os, de início, fechando os olhos e me dizendo: “Desiste!” Depois me levanto e vou substituir o café frio na caneca por um quente. Passo um tempo a desenhar volutas num papel, e quando me persuado de que é tarde demais para querer ser artista plástica, decido vencer o obstáculo que me estorvava a escrita, apostando no provérbio: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.”
Quantas vezes você revisa seus textos, antes de sentir que estão prontos? Você mostra seu trabalho a outras pessoas, antes de publicá-los?
Reviso os textos vezes demais para registrar quantas, pois passo horas arredondando um parágrafo que no dia seguinte me parece quadrado ao ponto de eu ter que reformulá-lo do zero. Todos os meus textos passam pela revisão do meu marido, antes que eu os apresente a uma editora. Uma vez, paguei um adolescente para ler um original meu destinado ao público adolescente, original este que também submeti à leitura de uma amiga escritora e de uma jornalista.
Como é a sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ainda que domine o básico da era da informática, costumo deitar no papel o embrião de um poema ou narrativa que posteriormente desenvolvo. Mesmo porque preciso encher de desenhos as folhas dos meus primeiros rascunhos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para ser criativa?
Minhas ideias surgem de origens diversas e mesmo díspares: uma divagação, uma reação, uma recordação, um encontro na rua, uma ida ao supermercado, um comercial de televisão, um engarrafamento de trânsito, um outdoor… Ler livros de outros autores sempre estimula minha imaginação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Meu processo de escrita continua moroso como sempre foi. Segue também mais matutino que vespertino, e nada noturno. Agora, quase não consulto mais os dicionários de papel que por décadas consultei. No geral, trabalho, hoje, menos horas diárias do que ontem, porque me cobro menos. Tenho dedicado meu tempo à poesia, isto é, a compor poemas, atividade que me submerge por horas no aparente ócio da meditação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ainda não existe?
Gostaria de escrever uma autobiografia que eu gostasse de ler, mas não sei se tal livro existirá.