Marcos Vinícius Almeida é escritor e jornalista, curador editorial da Revista Gueto e autor de Paisagem interior (Penalux, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina se resume a tentar pagar boletos, buscar freelas e trampos, educar uma criança de cinco anos e encontrar tempo para tocar meus projetos de escrita e, agora, também tentar manter a sanidade mental, diante da agenda de retrocesso que assumiu o controle do país.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual. Quando estou trabalhando em um projeto, como agora, gosto de anotar o esquema do livro num quadro negro vagabundo, que fica de frente da minha mesa trabalho. E depois anoto ideias em cadernos que depois esqueço, e também post-its que vou amontoando na parede, com frases, imagens, qualquer coisa. Recortes de jornais, citações de outros livros. Isso ajuda. Também ajuda ler autores próximos daquilo que desejo escrever. É um diapasão. Ajuda a afinar o ouvido. No romance que escrevi durante meu mestrado na PUC, (“Carne viva”, ainda inédito), li exaustivamente Cormac McCarthy, também Sebald e Walter Benjamin. A obra de José Luiz Passos sobre o Marechal Floriano também me ajudou. Meu ritual é ler. Não acredito muito em inspiração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende. Há semanas que escrevo todos os dias. Há semanas que não escrevo efetivamente coisa nenhuma. Mas quando estou trabalhando num projeto, estou escrevendo o tempo todo, mesmo quando não estou escrevendo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que toda escrita envolve pesquisa. Seja uma pesquisa mais intuitiva, da pura fruição da leitura, seja a pesquisa mais orientada e intencional. Estou trabalhando numa trilogia que envolve um tanto de pesquisa histórica. Geralmente tenho surtos de ideias, que vou anotando. Depois que começo a escrever, outras ideias surgem, as ideias mais importantes. Acho que os maiores problemas e soluções da escrita aparecem mesmo no processo de escrita. Não dá para controlar tudo. Começar é fácil. Concluir e dar um bom acabamento que é difícil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho travas de escrita. O que me atrapalha a escrever são sempre fatores externos. Travas da vida. A infinita obra no andar debaixo, a ascensão do fascismo, os boletos vencidos, falta de freelas, coração partido.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No geral eu reviso umas três vezes. Gosto de mostrar meus textos para amigos de extrema confiança. O Luís Roberto Amabile, que foi meu colega na oficina de Escrita Criativa da PUCRS, é quase sempre meu primeiro leitor. Também a Milena Pereira Silva, professora de literatura, que corrige minhas crases desde os tempos dos blogs. Recentemente comecei a frequentar uma seita secreta chamada Escritores de Quinta. Os encontros envolvem sacríficos humanos, rodas de leitura, vinho e críticas duras aos originais dos envolvidos. Não necessariamente nessa ordem. O grupo varia, mas o núcleo duro é formando por Camilo Gomide, Anita Deak, Grazi Brum, Gael Rodrigues, Mauro Paz, Liliane Prata e Natalia Zuccala. Essa troca com outros escritores tem me ajudado bastante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo apenas notas em papel. Minhas versões e rascunhos são sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler. Conversar sobre livros. E sobre a vida. Mas minhas grandes inspirações hoje têm vindo dos livros de história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando comecei a escrever, eu era totalmente intuitivo. E tinha um repertório de leituras muito limitado. Eu diria para mim mesmo para ler mais e escrever mais. Ler coisas diferentes e experimentar novas formas de expressão e construção narrativa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria de começar, eu já comecei. Uma trilogia de ficção histórica, ou melhor, uma trilogia que tenta pensar criticamente a história a partir das formas literárias. O título provisório é “Narrativas apócrifas”. O primeiro livro, “Carne viva”, é uma espécie de faroeste barroco. Oscila entre o folhetim aventuresco, o ensaio crítico e tom anedótico do contador de causos. O segundo livro, “Terra sem mal”, que é o que estou trabalhando agora, tenta explorar as origens mais remotas do Brasil, em diálogo com textos arcaicos, lendas, elementos da arqueologia, da história, da fotografia, e tencionando os limites entre ficção e história, algo como um “ensaio ficcional”, se é que existe tal coisa. O terceiro livro, “Recife antigo”, existe apenas em sinopse, mas segue também essa linha. Publiquei um ensaio na Ilustríssima há alguns dias. Ali, eu disse que “o sono da memória produz pesadelos reais”. É uma coisa que acredito muito. E é o que tem orientado minha ficção.