Marcos Samuel Costa é poeta, contista, cronista e romancista, autor de “Uma semana de poesia” (Penalux, 2016), “Sentimentos de um século 21” (Multifoco, 2014)
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como muitas atividades, pois moro sozinho, me levanto cedo, vou logo tomar banho. Saindo do banheiro vou direto para a pia lavar as louças, arrumo o quarto e a cozinha. Molho minhas plantas, sempre ouço alguma música, ligo o celular, faço meu café da manhã, ligo para a mamãe quando não estou atrasado. Feito essas coisas, vou para a faculdade. Pela manhã fico na pesquisa PIBIC sobre saúde e morbidade de homens negros no Pará, almoço no restaurante universitário e já fico direto para a aula. A noite sempre leio, assisto alguma coisa e depois vou dormir. Ainda não tenha uma rotina de escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever no início ou no fim do dia. Porém, como tenho uma rotina difícil e cheia, escrevo sempre que consigo vencer o cansaço. Independentemente do horário, só tenho uma coisa comigo, gosto de escrever quando sinto que algo tem que ser escrito, quando já nasceu em mim, quando sinto que precisa ir para o papel. Fico dias pensando o texto na minha cabeça antes de ir escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Normalmente escreve em períodos longos. Como por exemplo nas férias, que é quando posso me sentar e focar só naquilo. Quando se trata de textos em prosa e poesia, eu estou o tempo todo tentando, experimentando. Escrevo e colo no Facebook ou mando para amigos nas redes sociais, quero ver como aquilo é aceito, mas claro que não faço isso com tudo o que escrevo. Tem muita coisa guardada. Textos e mais textos. Uma amiga, Miriam Daher, há muitos anos me disse que um autor só escreverá bem, praticando, se possível escrever todos os dias. Então, de alguma maneira segui isso à risca. Outro dia vi alguém postando sobre portas e escolher casas, ou seja, ou você escreve só poesia e adentra, ou nunca escreverá nada. Eu não sei que pensar sobre, o poeta em mim é a parte maior, é quem domina todo o latifúndio, porém, não me imagino sem escrever contos, crônicas, romances, peças de teatro, artigos na faculdade. Eu gosto, me sinto bem, sou inquieto demais. Bom, tem a questão da qualidade, sei que não posso fazer tudo “Bom ou Melhor das coisas”. Sendo filho de um pescador que não sabe ler, a escrita para mim é minha maior maneira de viver.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevi ano passado meu segundo romance, um pouco mais longo, experimental, com bastante maneiras diferentes de narrar, buscando também no enunciado e no visual, uma possibilidade de “descrever as cenas”. Ele se chama “O cheiro dos homens” e tem o lançamento previsto para 2020. Nele eu fiz um pequeno roteiro, um resumo do livro, uma pesquisa sobre territórios, questões históricas e geográficas. Fiz várias anotações sobre o livro e me deixei seguir na escrita. No primeiro romance não, o Dentro de um peixe, fui na “cega”, comecei a história sem saber o que queria, sem conhecer as partes, coisa que me deu muito trabalho, tanto que passei uns cinco anos nele e escrevi só umas 80 páginas. Penso no próximo romance, só tenho o esboço, penso os personagens, estou deixando a história se contar dentro de mim. No “Dentro de um peixe”, eu fiz algumas experimentações antes de narrar, tem uma cena em que o personagem principal se encontra sob o rio e tem algo parecido com a simbiose. E eu fiz isso, mergulhei e me deixei sentir aquilo. Claro que isso parece loucura, parece ser em vão, mas é como me escrevo antes de escrever. No conto eu gosto de narrativas breves, rápidas, gosto dos minicontos, das temáticas LGBT. Na poesia tudo é diferente, lá não sou eu que mando, sou mandando. Só obedeço, cumpro ordens…
Estou escrevendo o mesmo livro de poesia desde que comecei a escrever, e não sei se um dia vou terminar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu acabo deixando acontecer. Nunca forço a escrita, nunca escrevo sem vontade, pelo menos não literatura. Abro o computador às vezes e fico procrastinando, sinto preguiça, quando é assim geralmente só reviso algum texto, e depois desligo o computador. Quanto ao medo, eu nem sei. No início da minha escrita não tinha medo de nada, estava numa Ilha, eram poucos escritores. Então eu escrevia meus livros como a maior liberdade do mundo, mas o tempo passou, eu cresci, entrei na faculdade, comecei a ler escritores bons, então começou a nascer o tempo. Via meus amigos e colegas ganhando muitos prêmios e eu nunca ganhava nada, pensava comigo, minha escrita deve ser ruim, depois teve o período procurando uma editora para publicar, não obtinha aprovação de publicação, isso também somou com o medo. Depois passei a me ver como um escritor jovem, mas cheio de medo. Esse ano publiquei um livro de poemas, Caminhos para Longitude (Ed. Kazuá, 2019), mas relutei muito antes ficar bem com a ideia do livro ser publicado. Mas como disse meu amigo certo dia “A gente não tem que escrever para ganhar prêmios”. Eu concordo, tenho escrito por puro risco, paixão, insistência, resistência, experimentação. E por fim, quanto a ansiedade de trabalhar em projetos longos, tenho aos poucos vencido, tenho tido calma, deixado o texto ir ao seu tempo, ao meu tempo. Como disse acima, sempre escrevo em períodos longos. Em janeiro volto a escrita de textos mais longos, vou adentrar fevereiro, em março volto para faculdade, com isso dando uma pausa, voltando só em julho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Diversas vezes, sempre que eu leio acabo mudando alguma coisa, por isso chega um momento que paro de ler. Tenho a impressão que nunca estão prontos, por exemplo, um texto que escrevo hoje, fará mais sentido agora. Uma leitura futura, quando meus pensamentos e estado já serão diferentes, a leitura mudará. Com isso de revisar sem parar, já destruir completamente vários livros, apaguei diversos poemas.
Geralmente mando para um grupo de amigos, para a Miriam Daher, Ana Meireles, Gigio Ferreira, Douglas Oliveira e Lilian Miranda, são geralmente os que leem meus textos antes. Mas claro, por vezes algum deles fica sem tempo e me avisa, mas geralmente pelo menos duas ou três amigos leem e me dizem alguma coisa. E eu sempre fico a atento a tudo, considero suas considerações e avalio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Algumas vezes escrevo no bloco de notas no celular. Não gosto da minha letra, raramente escrevo à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias veem das observações diárias e busco nas minhas memórias também. Estou sempre atendo aos diálogos, as histórias das pessoas. A profissão que eu escolhi, serei daqui a pouco tempo assistente social, me deixa muito próximo o tempo todo de pessoas, tudo que estudo ou faço tem ligação direta ao movimento histórico e dialético da vida. Essas coisas me influenciam. Mas acho que acima de tudo eu sou um escritor apaixonado. Adoro escrever na temática homoafetiva, criar histórias e situações impossíveis. Outro dia uma pessoa me perguntou se eu queria ser militante, perguntei o motivo da pergunta, ela me respondeu que só escrevo “agora sobre gay”. Tentei explicar que não escrevo sobre isso ou aquilo, eu escrevo sobre amor, sobre acontecimentos, sobre relações, mortes e sofrimentos. Tenho uma escrita um pouco triste, meus poemas seguiram com um rio tortuoso, até encontrar seu curso, e isso marcou muito minha maneira de escrever. Mas não me considero um escritor triste, mas sim apaixonado (risos).
Falando de maneira mais técnica, eu sempre estou escrevendo várias coisas ao mesmo tempo, esse ano estive trabalhando num livro de contos com o título provisório de “Corpo espinho”, em um livro de poemas (também com título provisório) “Função: Pedra”, numa peça teatral “Animales” e terminei um outro projeto. Eu gosto desse movimento, dessa maneira, me ajuda a não cansar. Geralmente trabalho com laboratórios criativos, experimento de tudo dentro das possibilidades e impossibilidades de um livro, tento chegar mais perto do que estou de fato querendo, depois deixo de lado por alguns meses. Volto só depois, para uma leitura crítica e vou revivendo aquele universo todo, por vezes empolgantes por outras, decepcionantes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo mudou. A leitura me ajudou a mudar. Conhecer pessoas e editoras me ajudou a mudar. Hoje eu tenho mais calma. Vivo de forma mais sincera todo meu processo criativo. Mas tudo é muito recente. Eu morava numa ilha sem teatro, cinema, cultura e artes em gerais. Vim para Belém, ter contato diário com um grupo de autores (Ana Meireles, Gigio Ferreira, Miriam Hanna Daher, Cleópatra Melo, Douglas Oliveira e etc.), entrar para a UFPA que é uma universidade enorme, com vários movimentos estudantis, culturais, debates, acesso a língua estrangeira, a própria conivência diária em sala de aulas com os professores e professoras, cria um intenso processo de mudança. Tudo isso foi me mudando. Mais o que eu vejo como maior determinador, sem dúvida foi a leitura, li um pouco de tudo, desde os clássicos até os contemporâneos. Tudo tem se dado com muito esforço.
Eu diria para mim mesmo o seguinte, obrigado por ter começado tudo. Por ter amado a literatura como se fosse a única coisa possível de ser amada. Pode ter tido diversos erros, falhas. Pode ser que nenhum texto dessa escrevivência inicial se salve, mas é o início de tudo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Experimentar outras expressões artísticas. Eu sinto que ainda não comecei a escrever o que quero escrever, chegar na escrita que tenho sonhado em chegar. Não é uma coisa maior ou menor, mas sim a escrita que me pertença, encontrar a minha voz. E eu sei que essa tarefa é muito difícil. Um livro que fosse escrito por um escritor nortista e não fosse visto como algo “exótico”, que fosse lido como se ler livro de qualquer autor do Sul. Um livro que tenha geografia, mas que ela se apresente como “algo de todos” ao ser lida. Sonho com um livro que seja a expressão maior. Que eu seja capaz de escrever.