Marcos Napolitano é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, utilizo o período da manhã para trabalhar em casa, isso quando não há reuniões na universidade. Via de regra, utilizo este período do dia para responder e-mails de trabalho (são muitos, por dia), para preparar aulas e para escrever pequenos textos técnicos quando solicitados (pareceres, pareceres, pareceres, rs). Mas não chego a ter uma rotina absoluta, até porque tenho filhos pequenos que ainda têm muitas demandas e compromissos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na pesquisa e em atividades de escrita de trabalhos mais longos (artigos e livros), eu trabalho melhor à tarde. Mas esse também é o período que há mais atividades na universidade (aulas, reuniões, bancas). Procuro reservar duas tardes na semana para essas atividades de pesquisa e escrita. Não tenho nenhum ritual de preparação para a escrita, até porque o tempo é sempre escasso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como eu disse, procuro reservar, em média, duas tardes ou manhãs na semana para atividades de pesquisa e de escrita. Mas quando tenho que escrever textos mais longos, como livros ou artigos de fundo, reservo os dois meses iniciais do ano ou as férias de julho. Nestes casos, procuro trabalhar em casa, posto que não é um período do ano com muitas atividades na universidade. Estabeleço metas por unidade de escrita, conforme a estrutura já pensada do texto (um capítulo, um tópico, subtópico, etc). Na melhor das situações, consigo escrever cerca de dez páginas por dia, mais ou menos acabadas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No começo da carreira, eu costumava adensar as leituras e pesquisas em fontes primárias, consolidar alguns fichamentos escritos e, na sequência, estruturar o texto que eu iria desenvolver a partir deste material, elaborando uma estrutura de tópicos. Depois disso, eu começava a escrever pequenas ementas com as hipóteses e argumentos de cada parte do texto, inserindo os fichamentos posteriormente. Na sequência, quando eu já tinha um material avançado, eu organizava o texto de maneira mais fluida e narrativa (se fosse o caso), e fazia uma revisão geral. As notas e a bibliografia ficavam para o final.
Hoje, com mais experiência, eu não tenho um método tão cartesiano, deixo a escrita fluir conforme um eixo pré-elaborado, e só depois me preocupo com a conferência de notas, inserção de citação de autores e outros dados.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
No começo, eu procurava expurgar estes medos, me concentrando em transformar os fichamentos em texto autoral, e iniciando a escrita sem expectativas literárias, elaborando ementas que fossem sintéticas e funcionais. Quando eu me dava conta, já tinha dezenas de páginas e o medo maior – a tela em branco pulsando diante de você – já não existia mais. No começo da carreira, eu tive que lidar com dois obstáculos – a preguiça inicial em começar um texto e a falta de inspiração e talento literário. Mas como, por outro lado, eu sempre gostei da ideia de escrever e publicar, havia um movimento existencial e profissional contrário a estes dois obstáculos. Parece contraditório, mas é assim que eu percebia as dificuldades no início de cada projeto de artigo ou livro. Uma vez iniciada a escrita, percebia que a coisa fluía, mas daí surgia uma outra dificuldade: controlar a ansiedade em terminar o trabalho. Hoje lido melhor com todas estas dificuldades e características pessoais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Normalmente, eu os reviso uma vez, para evitar erros mais grosseiros e avaliar se os argumentos estão claros e bem fundamentados. Confio nos profissionais que farão a revisão mais refinada. Mas, infelizmente, em muitos projetos editoriais esta parte não é muito acurada, dada a questão dos prazos para publicação, entre outros fatores. Confesso que sinto falta de um editor acadêmico, daqueles que esmiúça e questiona seu texto, avalia questões de estilo e pondera seus argumentos, de modo a deixá-los bem resolvidos e agradáveis para a leitura. Não é comum este tipo de editor nas editoras acadêmicas brasileiras. Na loucura que estamos, em meio ao produtivismo acadêmico, é muito difícil que um colega tenha tempo para uma leitura acurada e crítica do trabalho de outrem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sempre escrevi direto no computador, embora ainda goste de fichamentos de leitura e de fontes em papel. Como eu digito muito rápido (fui digitador em um banco antes de ser professor, rs), sinto que as frases fluem na velocidade do pensamento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sempre acreditei que o texto acadêmico é fruto mais de transpiração do que de inspiração. Quanto mais leituras em uma área de pesquisa, quanto mais conhecimento de fontes, combinada com uma boa formação geral na área (no caso, História e Ciências Humanas em geral), as ideias fluem melhor. Se o pesquisador for um escritor refinado, com veleidades literárias, tanto melhor. Mas se ele for um pesquisador sério e dedicado, com algo a dizer a partir das suas pesquisas, seus textos sempre poderão dar alguma contribuição ao debate, ainda que não sejam textos tão prazerosos para a leitura.
Por outro lado, procuro ler livros não-acadêmicos (ficção, clássicos ou biografias) ou livros acadêmicos mais narrativos para absorver formas de escrita menos duras, cartesianas ou truncadas, como as que somos treinados para fazer na academia. De todo modo, eu detesto literatice em ciências humanas, ou seja, o abuso de clichês pseudo-poéticos e frequentemente piegas para esconder, muitas vezes, o vazio dos argumentos e a fragilidade da pesquisa. Prefiro boa literatura de ficção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu mudei bastante o meu processo. Hoje, procuro ter mais prazer com a escrita e deixar fluir o texto, sem a obsessão de citar, citar, citar. Mas eu ainda gosto muito de notas de rodapé, para azar dos meus leitores (rs). Se eu fosse escrever novamente a minha tese, tentaria deixá-la mais agradável e fluida para o leitor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer uma biografia alentada, intelectual e histórica de Mário de Andrade, daquelas com mil páginas. Mas acho que não tenho talento, nem tempo, para esse projeto.