Marco Bravo é ator, diretor e músico brasiliense, formado pela Casa das Artes de Laranjeiras.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meditação e exercício antes de tudo. Meditação todos os dias, exercícios nem sempre, dou minhas enroladas, mas geralmente três vezes por semana. Só aí começo meu dia. Adoro um café preto sem açúcar. Me dá um início de manhã calmo, criativo, aproveito pra conversar com minha esposa, é um momento que gosto demais. Me parece o melhor da vida! Me dá energia pra seguir. Me coloca no presente. Antes de tudo. Vivo muito assim. Consegui com esforço durante anos. Mesmo no meio do caos. Esse caos universal, essa loucura toda, e como solucionar os problemas da vida, tem se tornado um papo de início de dia. Vamos fazer nove anos juntos e desde o início somos bons no papo matinal. Acho que é o que mais sinto falta quando estou em turnês ou no Rio. Temos duas “bases” mas ficamos mais em São Paulo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para a criação não tenho ritual. Minhas rotinas variam de acordo com os trabalhos que faço como ator e diretor. Música, composição e escrita exerço de forma menos regular. Faço por demandas… adaptar um curta, um livro para um longa, uma peça para o cinema. Tenho trabalhado assim e me dou muito bem. Então, num geral, quando estou trabalhando em casa, acordo, medito por uma hora, faço algo como exercício (caminhada e natação), depois volto pra casa, tomo um banho e começo a estruturar o resto do dia. Vejo a agenda, faço as coisas mais técnicas e de escritório. Só depois do almoço é que trabalho com minha arte, minha criação. Como um funcionário mesmo. Não gosto de pensar como ritual. Acho que é a labuta do dia à dia, como em qualquer trabalho. Deixo como ritual essa coisa de entrar no momento presente, minha conexão com o dia… Depois disso é só ralação mesmo!
Agora, por exemplo, estou em casa, trabalhando para a novela “Além da Ilusão”- Globo, que só vai ao ar no segundo semestre. Como estamos na pré-produção, consegui levantar um monólogo para o teatro, o que era um sonho de alguns anos. Então estou com meu trabalho musical, com minha banda Bravo & a Kitanda sendo lançado por singles (faço esse trabalho no fim da manhã), adaptei, dirijo e atuo na peça “23 de setembro” (de Diego Fortes, produção Priscila Prade) que faço das 14h às 18h. Pontualmente… Enfim, acontece uma coisa muito louca. Se eu, ator, sinto que vou atrasar estudando o texto, meu outro eu, diretor, fica irritado porque quer, por exemplo, fazer um passadão geral antes de trabalhar em cenas específicas. Aí penso (eu diretor) que se perder algo programado num dia já vai atrasar todo o processo… Muito louco, né? Meu eu ator tem uma vida dura, é muito cobrado… Mas vivo bem assim. (risos).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pois é, não consigo. Tenho muitos outros compromissos. Adoraria escrever mais. Agora, por exemplo, já me veio na cabeça uma possível adaptação da peça para um filme. Ótimo. Falei com o Diego, autor, ele adorou. E agora? Nada! Senta e espera… Tenho que lidar com isso. Não vivo apenas como escritor, então… Ja temos um pouco do argumento. Com o tempo, depois da peça pronta vou passar a pegar nesse roteiro. Vou estar louco com as gravações da novela. Sei que vai ser difícil, mas estou encantado com a história e isso me faz ter tempo mesmo quando/onde acho que não vou ter.
Aí sim. Uma vez trabalhando com o roteiro crio minhas metas diárias. Escrevo sim todos os dias. Chego a ficar vidrado, precisando descansar, lembrar de comer e tal. Fico dentro do universo da história. O dia passa a ser em torno da meta de terminar o roteiro. Penso nele até no banho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Até agora, a maior parte das histórias que contei foram adaptadas, de outro roteiro, texto de teatro, livro. Só uma série que idealizei, mas que não foi vendida ainda, é que saiu totalmente da minha cabeça. Não me considero um roteirista profissional. Faço pela necessidade, pelo vômito, pelo grito artístico.
Por isso, quando se trata da estrutura, sinto que é mais difícil pra mim. Demoro pra ter as notas que quero. Demoro para o estudo de possibilidades, pra pesquisa. Acho mais complexo pra mim. Agora, uma vez decidida a estrutura inicial. Uma vez que pego o caminho. Vou como um trem. Vou escrevendo as cenas, os diálogos bem mais rápido e com muito mais facilidade. Acho que por vir da formação da cena. Sou ator, diretor, formado em teatro, apaixonado pela dramaturgia. Aprendo muito com os atores, diretores e autores que conheço e trabalho. Isso me leva pra um lugar de confiança, de paixão, e me faz escrever sem nem ver. Vou me imaginando como as personagens. Já imagino o movimento de câmera, a luz… É muito bom! Como um mergulho profundo nas vozes que tenho em mim e que nem daria ouvidos se não fosse essa linda profissão de contador de histórias que tanto amo!
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me frustro. Pelo menos eu posso não me frustrar. Não trabalho escrevendo para outros, então, quando vou pra feitura a massa já está pronta. O tempo que demorei com a massa ninguém viu! (risos). Meu primeiro longa, “Tumulto em noites de blackout”, adaptado do romance homônimo de José Teófilo Nunes, demorou dois anos pra ter o primeiro tratamento. Veja bem, dois anos, sendo o primeiro de pura procrastinação. Pergunta se me frustrei? Nadinha! Nem foi comigo. É a vida. Claro, nesse aspecto da escrita. Estava me frustrando com outras coisas na verdade. A escrita me serve para relaxamento, não para cobrança.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso pouco antes de mostrar a primeira vez. A escrita tem que estar certa, correta, a língua, a linguagem escolhida… mas o enredo, a dramaturgia em si, deve estar livre para críticas dos especialistas que vão ler. Mostro primeiro pra eles. Pessoas de confiança e que me dizem coisas relevantes. Daí sinto algo sobre o conteúdo, a história. Se eles foram tocados por aquilo que quero passar. Se a coisa toda é interessante. Depois, eles mesmos me dão caminhos pra virar e revirar o que já estava ali engendrado naquela obra. Como a coisa do bruto para o lapidado, sabe? Funciono um pouco assim. Gosto de ver as obras se fazendo por si. Com o trabalho e opiniões das pessoas que confio em volta. Hoje tenho certeza de que raramente fazemos algo sozinhos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Mas não sou dos melhores na tecnologia. Hoje existem softwares que nos ajudam a escrever. Isso mudou minha vida! Recomendo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha criatividade vem do dom mesmo. Me sinto um canal. Me sinto conectado com o todo, com a existência inteira, quando estou criando. Não sei explicar. Não sei de onde vem. Não tem hora nem lugar. Simplesmente sai. Anoto nas notas do celular e depois vou dar atenção. Se for uma música, por exemplo, posso ir pro violão imediatamente. Se não dá, eu gravo e vou ouvir a loucura depois.
Tudo o que criei, nos trabalhos que fiz, que foram reconhecidos, premiados, indicados, foram frutos do conjunto. “Nós” fazemos algo. “Nós” as equipes e departamentos de cada espetáculo, de cada filme, série, novela que fazemos. Mesmo quem escreve um livro tem quem revise, quem edite, quem publique… existem necessidades e propostas de reestruturação. Enfim. Tudo isso pra mim é criatividade. É literalmente a “atividade de criar”. Mesmo que o processo de criação inicial seja solitário a gente pode continuar conectados ao movimento que desagua no público. Tudo isso é lindo e deve ser vivido intensamente, com os altos e baixos, com as alegrias e tristezas, tudo faz parte. No final a obra se dá justamente por causa do caminho percorrido. Ela ganha vida aos poucos. E quando estamos conectados as ideias vem até o final. O agente criativo não pára de se sentir canal. É como uma fonte nova, descoberta. A criação flui sem explicação!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não acho que eu tenha experiência pra isso. Então diria para mim mesmo, agora, hoje, não em relação aos textos passados, mas sobre o novo argumento que está por vir:
– Vá se aprimorar! A vida é só uma e o tempo está passando. Mas vá com calma e deguste cada aprendizado. O equilíbrio é tudo. E você já vem fazendo bastante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
23 de setembro – o filme! Esse é meu projeto pra o ano.
Livro… acho que um sobre uma proposta de uma nova democracia. Um novo “O espirito das leis” de Montesquieu. Acho urgente e necessário. Não existe mais a democracia como nós a estruturamos. Precisamos enxergar isso de vez. Encarar. Precisamos de participação social pela internet, já é extremamente possível. Precisamos de concelhos de especialistas. De novas políticas estruturais, enfim. Um livro que nos traga novas teorias para a administração pública.