Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política na UNESP e articulista do jornal O Estado de S. Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tomar café e ler os jornais são a base para as primeiras anotações. Quando não estou dando aulas, escrevo o dia inteiro e o trabalho começa logo cedo. Por meio das notas, organizo os temas que deverão merecer maior atenção, ou que já estão postos na agenda pessoal. É um momento de organização mental.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem rituais. Escrever é parte da vida, sai naturalmente. Escrevo algumas vezes na frente da TV, durante uma partida de futebol, por exemplo, ou no meio de um filme. Ler e escrever, ou seja, escrever enquanto leio, é um hábito antigo, que foi sendo aperfeiçoado. Quando fazia longas caminhadas, era frequente parar para anotar alguma coisa. Hoje, ao responder e-mails e visitar o Facebook ou o Twitter – coisas que consomem bastante tempo -, também armazeno ideias e anotações. Normalmente, paro de trabalhar por volta das 18 ou 19h.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nenhuma meta. Escrevo todos os dias e o tempo todo. Tenho um site pessoal, escrevo na plataforma de blogs do Estadão e faço um ou dois artigos por mês para a edição impressa do jornal. Várias das minhas aulas são previamente escritas ou acompanhadas por anotações abundantes. Também traduzo, basicamente do italiano. Faço tudo isso com prazer e raramente me canso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Às vezes, uma micro-nota dá origem a um artigo inteiro. O segredo está nas anotações. Quanto mais oportunas se mostrarem, maior efeito terão. Em certas ocasiões, você pode se por um problema particularmente complexo e demorar para achar a abordagem correta ou achar a solução. Começar um texto só é difícil quando você não encontra a ideia-força e quando o primeiro parágrafo não sai. Uma proposição clara e bem apresentada é a chave do sucesso. É com ela que se ganha ou se perde o leitor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já passei dessa fase. Sou um cara disciplinado, cumpro o que prometo e sigo os parâmetros fornecidos. Já fui editor e sei como é ruim receber um texto mal redigido ou não revisado. Lidar com as expectativas, por sua vez, é inevitável. Quem escreve o faz para ser lido e os leitores são sempre surpreendentes. Temos de nos esforçar para não tentarmos cortejá-los com facilidades e para aprender a assimilar as críticas, sobretudo as mais injustas ou ferinas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes: as palavras são malandras, escorregadias, precisam ser tratadas com respeito. Um texto não é somente uma reunião de palavras quaisquer. Você precisa escolhê-las bem, seja para passar a ideia com correção, seja para dar beleza ao texto. Tudo funciona melhor quando há ritmo, quando as frases soam bem e cativam. Escrever é uma forma de sedução. É por isso que dá tanto trabalho. E fascina.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Notas à mão e depois no computador. Antes, no tempo das máquinas de datilografia, você tinha de gastar muitas folhas de papel para encontrar a forma certa ou corrigir erros. O computador facilitou enormemente o processo. O desafio, agora, é não se deixar trair pelo plágio involuntário, tantas são as facilidades e informações de que dispomos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm da observação e da reflexão sobre as coisas da vida. Não acredito em textos que nascem por obrigação ou para fazer currículo: ou você tem paixão e se põe um desafio reflexivo, ou o tédio acabará por se impor. Escrevemos para convencer alguém de alguma coisa, a motivação está aí, aí está a fonte geradora.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Faz muito tempo que escrevi minhas teses. Se pudesse refazê-las, certamente o texto sairia melhor. Quanto mais se escreve, mais se aprende a escrever. É algo óbvio, como andar de bicicleta. Com o tempo, você aprende a se relacionar com as palavras, torna-se mais íntimo delas, adquire consciência da sua própria imperfeição como escritor, domina melhor certos atalhos e macetes, como por exemplo o do título, do fraseado, do tamanho. A escrita acadêmica é chata e fria, impõe regras em excesso. Quem se aventura por ela deve procurar contornar isso. Escrever bem, com rigor, clareza e beleza, deveria ser uma obrigação. Um objetivo permanente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não me ponho problemas desse tipo. Tenho podido fazer tudo o que projetei. Reunir artigos e publicá-los em livros é uma meta constante, como já fiz algumas vezes. Mas seria bom encontrar um livro que explicasse, com graça, beleza e contundência crítica, de forma totalizante, a vida tal como passamos a viver no capitalismo tecnológico globalizado. Estamos carentes disso.