Marcio Malta é professor de teoria política da Universidade Federal Fluminense e cartunista, assinando com o pseudônimo de Nico.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente pratico algum exercício físico assim que acordo. Tenho predileção pela corrida, pois o esporte ao liberar hormônios que nos deixam alegres funciona como um motivador para o trabalho intelectual. Desde a época da graduação tenho o hábito de fazer caminhadas para espairecer e ter diversas ideias para os trabalhos acadêmicos, como um título que vem na cabeça ou mesmo uma solução para determinado impasse teórico da pesquisa. Nessas horas o telefone celular – e somente nessas – costuma ser um aliado, pois serve como um bloco de notas ou mesmo um gravador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor nas primeiras horas do dia. Nosso corpo costuma estar mais bem disposto e com energia. Acredito que devemos atentar para esses dados fisiológicos, mas não deixa de ser também um aspecto psicológico, afinal penso que escrevendo pela manhã posso utilizar o restante do dia, seja para tarefas rotineiras, preparar uma aula na parte da tarde ou mesmo revisar o trabalho feito pela manhã. Em resumo, poderia dizer que começo a redação logo depois do café da manhã e escrevo até a hora do almoço. Sendo que paro uns trinta minutos antes para iniciar o preparo da refeição. Como escrevo em um ritmo relativamente rápido já me dou por feliz se consigo manter uma média de três horas na frente do computador. Em épocas de prazos mais rígidos como artigos com o deadline apertado ou na época de finalização da tese chegava a me trancar no escritório e desligar o roteador da internet para evitar distrações. Pois mesmo a navegação sendo grande colaboradora na pesquisa, muitas vezes acaba distraindo. Você começa pesquisando sobre o neoliberalismo e vai abrindo abas. Quando vê está lendo um artigo sobre o império asteca ou assistindo um vídeo de desenho animado. Considero que esse é um dos dilemas enfrentados pela minha geração. De saber manejar com propriedade as fontes online, mas também ter que lidar com o monstro das redes sociais que com frequência nos força a ler menos livros, seja acadêmicos ou de literatura. Sendo esta última uma verdadeira paixão, que não somente eu como muitos de meus colegas acaba relegando a um segundo plano diante das tarefas que a docência, a pesquisa e a extensão ocupam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Admito que escrevo em maior volume a partir de encomenda. Seja de um artigo, capítulo ou a convite de editoras para publicar um livro. Nesses casos, como disse anteriormente, os prazos apesar de serem amedrontadores servem também como catalisadores.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O início é sempre doloroso e costumamos postergar sempre. A procrastinação é um desafio. Em algum momento o pesquisador tem que colocar um momento final no levantamento de dados e iniciar a escrita. Mesmo que tenha que retomar uma fonte ou outra, até mesmo incrementar alguma bibliografia descoberta no processo, o medo da página em branco é castrador. Por isso prefiro começar a escrever logo. Mesmo que seja um brainstorm, um turbilhão ainda não coeso. O começo é fundamental. Costumo relembrar meus orientandos ou pessoas próximas que estão com dificuldade nesta etapa inicial que a muralha chinesa começou a ser feita com uma pedra fundamental. Esse aprendizado obtive através da leitura “A muralha da China”, de Franz Kafka, um dos meus escritores favoritos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em termos de artigos para revistas científicas a grande dificuldade é atender às expectativas de um modelo mais hermético, que não privilegia o ensaio, o texto livre de amarras e mais inventivo. Os projetos longos exigem disciplina. Produzir livros, por exemplo, envolve outros elementos, como a opinião da editora. Acerca das travas, aproveito para editar passagens já redigidas e formatar as referências e adequar o trabalho às normas da ABNT. Nada deve ser desculpa para parar, afinal a culpa por não ter feito acaba pesando mais que o labor em si. Quando pegamos o ritmo da escrita tudo fica mais fácil. Costumo recordar que os momentos em que mais produzi foram aqueles em seguida à conclusão de grandes projetos. Por exemplo, quando você já está no embalo é mais fácil trabalhar em cima da tese e transformá-la em livro. O segredo é não deixar a peteca cair.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não gosto de ficar lambendo a cria. Depois de terminado o trabalho faço uma ou duas revisões criteriosas, principalmente em termos ortográficos e de formatação. Depois do texto pronto não acredito em grandes edições de conteúdo. Por vezes socializo o trabalho em grupos de pesquisa, com orientandos ou mesmo em uma aula que tenha tema análogo, mas, no geral, a gente tem uma relação mais acabrunhada de não querer mostrar muito, o que se deve à insegurança. Texto bom é texto publicado, na rua e divulgado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende do tempo hábil, mas muitas vezes em momentos cruciais usei cadernos para escrever à mão e depois transpor para a tela. O legal desse método é que a própria transposição não é automática, valendo já como uma revisão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Gosto muito de citar músicas de artistas críticos em epígrafes ou títulos. Tenho também por hábito ouvir música enquanto trabalho. O que para outros seria fonte de desconforto para mim serve como inspiração ou motivação. Outra referência muito comum nos meus trabalhos são imagens, não apenas como ilustração, mas como fonte primária. O fato de ser cartunista desde novo educou meu olhar para uma grande valorização do visual para além do texto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A forma com que escrevo foi ficando cada vez mais concisa e objetiva, fruto de um exercício que faço desde a graduação. Uso a máxima de Monteiro Lobato (a obra do escritor foi tema da minha dissertação) de que “escrever é cortar palavras”. Aproveito para registrar que boa parte do meu estilo foi forjado pelos meus orientadores ao longo da vida e pelo hábito constante da leitura. Sobre a escrita da tese, poderia dizer que acabei perdendo muito tempo no levantamento de bibliografia, mas, olhando para trás, acredito que até isso foi importante no resultado final, pois fez parte do processo como um todo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de fazer uma série de textos sobre o pensamento social brasileiro produzido por autores malditos, aqueles que não fazem parte do mainstream. Gostaria de ler um livro sobre a história da Estação Cantareira em Niterói nos anos 90 e começo dos anos 2000, período em que o espaço abrigou shows épicos e foi palco de um movimento cultural muito forte.