Márcio Benjamin é advogado e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia é simplesmente imprevisível. Sou advogado, então alguns dias na semana, pela manhã atendo em escritório de advocacia, às tardes agilizo processos e faço audiências. Outras vezes agilizo histórias e contos. Com inúmeros projetos na cabeça, tento dar vazão ao que posso, com a consciência de que muitas vezes gastamos mais tempo e energia represando os projetos do que os colocando em prática. No fim das contas sou uma vergonha para os metódicos e organizados e um estímulo para os desorganizados literários. A prova de que pode funcionar, tá gente? (risos)
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não e não. A hora que vem a história. Acho que ela vem crescendo dentro de nós até que em um momento, já nos é insuportável segurá-la. É assim comigo, e eu meio que a faço nascer inteira, ou o máximo que posso, e depois vou recortando o que não é letra, palavra, conto, ou, como disse, vomito o que posso e depois vou esmerilhando aos poucos, burilando, alterando. E no fim de tudo, surge o título. E como o meu trabalho dialoga muito com a oralidade, muitas histórias surgem a partir do que me contam, em pedaços ou inteiras, e, via de regra, o contador ganha o conto de presente em forma de dedicatória.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados. Assim que aparece um bom mote, um bom estímulo, uma boa ideia. Aquele “e se” meio mágico que define a curva do surreal que me encanta tanto. Infelizmente, ou felizmente, não tenho meta diária. Advogado, me acostumo a prazos, o chicote da pressão já me viciou faz tempo!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É outra diferença! Compilo poucas notas pra escrever. Na verdade, caso necessário, leio algo na internet, ouço alguma história que me sirva de inspiração, e escrevo baseado nas sensações que tenho, destaco um ou outro ponto que seja interessante, e os utilizo na história a ser escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Mergulho fundo no medo. Sento com os demônios ao lado pra tomar uma cerveja, e mando a bola pra frente. (risos) O medo faz parte, de todos as formas, em todos os sentidos. A insegurança vai existir, não tem jeito. E como não podemos afastá-la de vez, vamos interagir. Ansiedade também é minha velha conhecida, acho que de todos os artistas, não há como fugir. Em um futuro utópico, eu serei organizado, terei metas, quem sabe, mas no presente ainda escrevo muito com a intuição, a velho tentativa e, o mais velho ainda, erro. Em relação às travas, muitas vezes elas aparecem como um resposta de cansaço de cabeça mesmo. Assim, quando o texto não anda é você quem deve andar. (risos) Deixar pra lá um pouco a tela em branco e dar uma volta, falar com amigos, desanuviar. Com a cabeça mais descansada, a chance é maior do trabalho render mais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Graças a Deus temos na editora um time excelente de revisores. Eles são simplesmente essenciais para a realização de um bom trabalho. E falando por mim digo que não tenho condições de revisar meus próprios trabalhos, muita coisa passa batido, não tem jeito. E ainda que não sejam efetivamente erros, muitas vezes temos aquela sensação de que poderíamos ter escrito aquilo de outra forma, um sentimento absolutamente inútil, mas muito presente ainda, infelizmente. Assim, a figura do revisor é imprescindível para um bom livro, erros, sejam quais forem, dão uma impressão terrível. Sim, meus primeiros leitores são meu esposo, Sid, e meu pai. São muito sinceros e confiáveis. Depois deles, tem o editor, Fialho, e depois o time de revisores já citado. São várias peneiras. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre computador, mas os rascunhos a mão são essenciais para que não se perca alguma boa ideia, alguma frase. Sonhos também muitas vezes são anotados e vez por outra uso o celular pra gravar algo mais urgente, para que não seja esquecido.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm do que escuto. Do que me contam, do que observo. E por cima se derrama a imaginação pra concluir ou pra dar a história comuns um final extraordinário. O hábito de ouvir, de conversar. Ele é essencial para a criação de histórias baseadas na oralidade, como as minhas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eita. Acho que não houve tanta mudança assim, acho que na verdade o de antes tem a ensinar ao atual que ele deve escrever mais frequentemente. (risos) Acho que não diria nada. As experiências tem que ser vividas, acho que se eu dissesse as lições não seriam aprendidas. Ah! Só estimularia desde o começo a divulgação dos livros, não esperaria que eles se vendessem por si sós. (risos)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São tantos, desde musicais nordestinos, até filmes, audiobooks… Tem muita coisa entulhando a cabeça aqui. Devagarinho, a gente vai parindo pra realidade. Um livro de contos de terror com o mar como tema. Se ainda não existe, vamos escrever, né? (risos)