Márcia Wojcichoski Prado é bacharel e licenciada em Letras Português e Espanhol, com ênfase em Estudos Literários pela UFPR.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou funcionária pública e mãe. Começo meu dia na correria de acordar cedo, levar minha filha para a escola e chegar no trabalho, muitas vezes sem tomar um café da manhã. Definitivamente não escrevo neste horário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou um ser vespertino e acordar sempre foi um sofrimento porque costumo dormir tarde. Minha alegria é o anoitecer. Meu ritual é chegar em casa e depois de tudo, escutar o silêncio, pensar sobre meu dia e meus sonhos é minha maior alegria. Hoje preciso conciliar a rotina de oito horas de trabalho com meus projetos na área do cinema, dança e minha empresa de cursos gerenciais. Minha escrita está inserida em meio a todas essas atividades. Sou geminiana, múltiplos interesses. Minha mente é muito ativa e consigo estar aqui, escrevendo este texto e de repente ter uma ideia, parar por instantes, anotar e depois voltar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na adolescência eu escrevia um caderno por semana. Sabe aqueles cadernos escolares distribuídos na rede pública de ensino com 48 folhas. Era um ritual diário. Chegar da escola, ficar no muro de casa observando a rua e escrevendo tudo que vinha na cabeça. Alternava a escrita com leitura de poemas e anotava também àqueles que chamavam minha atenção. Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Helena Kolody, Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Paulo Leminski, Mário Quintana, formaram a base da minha poesia.
O poema normalmente surge em meio a tudo porque é natural e presente. As vezes com o escutar de uma música, ler algum artigo interessante, ouvir uma notícia que me emocione, uma imagem ou apenas uma lembrança. Ele escolhe quando quer nascer.
Estou na segunda fase da vida na qual surgem perguntas. Repenso sobre minha história, erros e acertos, mas, nunca me pergunto sobre a poesia. Ela é minha única certeza. Quando se aproxima, me curvo ao seu desejo. Muitas vezes escrevo uma palavra que nem tenho bem certeza de seu significado ou se ela caberia no contexto. Não discuto. Escrevo e só depois do poema pronto vou pesquisar sobre ela. Não lembro se alguma não fez sentido. Poemas são seres livres e indomáveis ao nascer. É claro que já escrevi por vontade e respeitando métricas, afinal, ajustes para testar nossa capacidade de seguir os clássicos são um exercício magnífico e prazeroso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não há processo. Há inspiração. Não compilo notas, escrevo. Não pesquiso, vivo a poesia. É claro que ela se faz de acordo com minha vivência, minhas leituras, mais filosóficas do que propriamente de poemas e uma profunda sensibilidade pela arte em geral. Uma pintura de Dalí, uma música nativista que fala dos valores humanos, uma dança flamenca, um cante jondo, uma chacarera, um filme que me faça pensar, tudo isso desperta minha escrita. Muitas vezes o poema não terá nada a ver com a cena vista ou a letra da música ouvida. São apenas caminhos para o outro lado, luzes que se acendem e me fazem avistar a porta, chaves para os diversos mundos paralelos onde habitam os versos.
Hoje me dedico ao roteiro para cinema. Este sim tem todo um ritual, um passo a passo que exige muito porque dele surgirá um filme. Não é como a poesia, o roteiro precisa dizer exatamente o que deve ser feito, como o autor quer a cena, de que forma será filmada, enfim, é o detalhamento, a técnica que fará do filme uma grande obra. Exige, neste caso, pesquisa estudo e tempo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A poesia não é um projeto. Ela é parte minha. Não tenho planos para ela. Deixo-a livre, como sempre foi e nós estamos bem assim. Cursei Letras na UFPR porque me pareceu obrigação conhecer os clássicos, por amor à arte e não por querer trabalhar com ela. Uma professora disse “Se vocês ingressaram na Universidade pensando que vão aprender a ser escritores, estão muito enganados. Não se ensina ninguém a ser escritor.” Fato. Podemos aprender técnicas, estilos, história, linguística, mas, não como criar. Minha criação hoje está mais voltada para a aprendizagem de roteiro para cinema. Tenho muitas ideias para colocar em prática e, sem dúvida, a voz poética estará comigo neste projeto. Posso dizer que meu olhar sempre será poético e toda minha criação terá essa mesma essência. Não faço nada sem amor, pode ser no meu trabalho metódico, até na dança, algo que retomei há pouco, depois de quase dez anos. Quando sabemos quem somos e qual é nosso propósito neste mundo, tudo fica mais claro e conseguimos passar nosso recado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não costumo me debruçar muito sobre os versos. Depende do poema. Gosto de rimas, por vezes perco um tempo em busca delas.
Precisei revisar alguns poemas antigos quando publiquei um livro com a coletânea de versos desde a adolescência, depois, participei de uma coletânea com colegas da Feira do Poeta, a casa dos meus primeiros versos. Penso que a técnica da escrita é mais exigente com os romances, contos, narrativas mais longas, regras gramaticais, coerência, concordância, objetividade, sequência lógica, etc.. os poemas, pelo menos os quais escrevo, são mais livres.
Mostro meus poemas para familiares e por vezes, mesmo sem gostarem muito de versos, se emocionam. Se eu provocar emoção com minha escrita, cumpri com a missão da palavra e, pode-se dizer neste caso, estão prontos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no extrato do banco com lápis de olho no sinal vermelho. Escrevo na mão, gravo áudio no celular de algum verso ou pensamento, cujo significado tenha mexido com minha emoção, escrevo no computador quando estou em casa, ainda uso muito cadernos, mas, o meio depende do que estiver mais à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou naturalmente criativa. Todos os dias penso em criar algo não só na parte artística, mas, no cotidiano também. Adoro resolver problemas, inventar soluções inusitadas, consertar coisas, pensar em várias alternativas para o mesmo problema, dar ideias no trabalho, enfim, gosto muito deste novo mundo repleto de novas possibilidades a cada dia. Alimento minha criatividade estudando sempre, lendo textos filosóficos, de inovação, fazendo cursos voltados à novas tecnologias, design thinking, minha nova paixão, e coaching.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Temos hoje mais alternativas, meios para escrever e principalmente para divulgar o que escrevemos. Hoje só não mostra para o mundo sua arte quem não quiser. Meus poemas estão inseridos neste mundo de redes sociais, compartilhamento de pensamentos e informações de forma frenética.
Meus primeiros textos tinham um caráter muito depressivo e cumpriram sua função de recolherem minhas dores. Não posso criticá-los. Quando ao processo, segue o mesmo. Tenho sido fiel ao meu estilo. A poesia, minha companheira inseparável, permitia fugir da realidade e criar meu mundo, nem sempre alegre, mas, servia de uma válvula de escape para aquele momento.
A metáfora, o tom surrealista, transcendente, metafísico sempre esteve presente na minha escrita. Essa é minha forma de ver o mundo, meu mundo entre a realidade e o mágico, a sombra e a luz, o dia e a noite. Penso ser tarefa do poeta subverter a realidade, mostrar novas cores, quebrar regras, pois, nem a gravidade, tempo e espaço são limites para a poesia. Amo esse looping que leva o leitor a um beco sem saída e perturba sua concepção sobre o possível, abstrato e imaginário.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos! Atualmente quero filmar um curta-metragem em homenagem à Federico García Lorca, baseado em um poema meu, escrito em 2010, por ocasião do término do curso de Letras. Quero me dedicar mais ao roteiro para cinema. Tenho pelo menos mais 4 trabalhos em mente voltados à imagem, dança e poesia. Meu dia precisaria sem maior para poder dar conta de todos os meus sonhos.
O livro que eu gostaria de ler é baseado na vida do meu avô. Ele não existe, mas, eu o escreverei um dia.